Desapego

É preciso libertar, deixar ir... Só assim o novo poderá entrar.
Uma das sugestões dadas para trabalhar o desapego é começar a limpar, a desfazer-se das tralhas que acumulamos em casa para libertar espaço. O comportamento, a ação gera movimento, energia em fluxo facilitando o processo. É nós sentimos na pele, depois de esvaziar gavetas, armários um ar renovado, mais leve.

E sim é um princípio. Agora vamos mais fundo. Como libertar, desapegar de pensamentos, ideias, crenças, emoções que temos acerca de nós mesmos e da forma como percepcionamos o mundo à nossa volta?

Já várias me apanhei a mentir. A dizer que os meus valores não me permitem ter determinado comportamento e que na verdade até os gostaria de mudar por estarem gastos e serem limitantes.
Ou a dizer para mim mesma que já ultrapassei determinada crença, porque aquilo que eu antes não conseguia fazer agora já consigo. E mudando de local volto a repetir o velho registo do não consigo. Exemplo: antes não conseguia mergulhar sem tapar o nariz, hoje já consigo fazê-lo e se estiver naquela piscina, mergulho naturalmente sem tapar o nariz, como um dado adquirido. Se mudar para outra piscina ou para o mar, o instinto imediato é para tapar o nariz.

O trabalho do desapego processa-se em vários níveis, ao nível do comportamento para ir mudando o registo mental e substituir por uma nova crença mais possibilitadora e ela se possa ir instalando. E leva tempo para que um novo registo se instale nas nossas células e apague o registo anterior.

Outras vezes é a vida a surpreender-nos, a jogar por terra pensamentos que tínhamos acerca de nós, do género "eu nunca faria isto" ou numa situação assim ou assado eu teria determinado comportamento", a vida coloca-te em cena e tu vês-te a ter comportamentos que surpreendem as tuas crenças e valores. Fantástico, não é?! Escandaloso por vezes para os nossos próprios olhos. E porquê?

Apegamo-nos aos pensamentos, às ideias, como formas fixas e duradouras, seguras, mesmo que não nos satisfaçam totalmente, são os nossos, dão-nos um senso de pertença, ligação. É o nosso conhecido, a zona de conforto. É fácil esvaziar gavetas e armários, sentimos que há espaço, mas depressa sentimos necessidade de voltar a preencher e encher com coisas novas. É difícil suportar o vazio.

Para que isso não aconteça temos de preencher esse vazio. Se me desapego de uma emoção, pensamento, crença ou até mesmo de bens materiais, eu tenho de definir uma direção, um propósito, para que quero desapegar-me?

Para me sentir livre? E como é para ser livre? O que faço com isso, como preencho esse espaço, qual a energia que vou emanar, como celebro, como me premeio? O que vou ganhar com esse desapego?

Acima de tudo tenho de querer desapegar, de assumir a responsabilidade, respeitar e aceitar os tempos. Porque desapegar é deixar ir, libertar, deixar morrer uma parte de nós, é saber despedir-se e fazer o luto, sem resistências. Aceitar que pode doer, vai doer e que vai passar, no tempo certo. É amar o que queremos deixar ir, porque fez parte de nós, ajudou-nos, foi útil e necessário, cumpriu o seu papel.

Desapegar é aceitar que não se controla nada, que as formas mudam de formas, que nada nos pertence, nem os pensamentos que ocorrem dentro de nós, nem as emoções, nem o corpo, que apenas nos emprestado com uma validade, só não sabemos determiná-la. O que nos é pedido é que enquanto estivermos nele para cuidá-lo com amor.

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