Circunstâncias

Não sou as minhas circunstâncias. E tantas vezes nos identificamos com aquilo que estamos a passar. A tal ponto que catalogamos, definimos e apegamo-nos à experiência.

E tudo vem para ser atravessado. São experiências que nos ensinam, que nos fazem sentir. Muitas vezes numa grande intensidade, que nos rasgam e transformam pela potência com que vem. E é permitir que suceda o que tem de suceder. 

Estamos sempre a ser atualizados. E às vezes de forma tão subtil que aparentemente temos a sensação de estar no mesmo lugar. Como se isso existisse. Somos corrente, maré, energia em movimento. E por vezes vem a tempestade, o caos revirar-nos para nos reposicionar.

E o trabalho é permitir que suceda. Largar o controlo e deixar a vida navegar. O caminho não traz legendas e vai apresentando-se sempre momento a momento. E a mente demente quer antecipar, quer fazer previsões e ter provisões. E não é de todo possível. A única certeza que temos é que um dia esta etapa aqui na terra  vai terminar, neste corpo. Só não sabemos o como.

Às vezes  são-te colocadas circunstâncias, diagnósticos e prognósticos e se te identificas com a programação, programad@ ficas.  Tu não és a forma e o que te sucedeu.

No máximo, "para quê?", "o que se faz com aquilo que nos acontece?" são perguntas bem mais interessantes. É claro que no meio do furacão nem sempre há a clareza para sermos observadores e nos distanciarmos da experiência.

Tenho alguns episódios na vida de dor em que literalmente a desfalecer, com diarreias e em jejum, com o corpo todo dorido e a dançar no deserto ao som dos berberes, em Marrocos. E os colegas do grupo olhavam-me, de como era possível conseguir dançar e sorrir naquele estado. E sem pensar saiu-me: "uma coisa é uma coisa, outra é outra". O corpo pode estar debilitado, mas a alegria e o ânimo que levo dentro é o mais importante de tudo. E percebi nesse momento que não estava identificada com o processo de dor que estava a atravessar, apesar de estar a passar por ele. E claro respeitando profundamente a necessidade de dormir e descansar mais, por estar desidratado e o seu ritmo mais lento. 

E o corpo sempre sabe, ele fala-nos e tantas vezes nos manda abaixo para que nos possamos render. Desacelerar, abrandar e parar. Há uma sabedoria muito antiga, primitiva, instintiva no corpo que se acciona em prol da nossa sobrevivência e saúde. Entender isto é honrar os mecanismos de cura que a máquina sempre acorda em nós.

E os convites sempre chegam, através das circunstâncias. Como respondemos ao que acontece sempre fala de como andamos, que gatilhos e feridas são despertas em nós. Não há perfeito, correto ou incorreto,  apenas destapar.

E a mente sempre se alarma, conta histórias, quer assumir o controlo e esperneia. E podemos até saber que assim é, mas quando se está no meio da tempestade nem sempre se consegue o ambiente neutro para desidentificar com o que ela conta. Em simultâneo é gerado um bom laboratório para que nos possamos apanhar e retirar a importância que estamos a dar.

Agradecer ao que é pela oportunidade que sempre dá de irmos mais fundo. De soltar resistências, de vir à tona o até em tão desconhecido. Reconhecer a fragilidade, a imperfeição, as dores e artroses e ir lá olhar com compaixão. Sem lhes resistir ou querer arrancar. Tudo te pertence, sem que todavia te defina, ainda que defina também. Somos a combinação das partes, todas as partes. E elas querem ser vistas, incluídas e acolhidas.

Confesso-me. Nem sempre fácil abraçar o que dói, sem querer arrancar e resistir-lhe. E assumir isto também é meu, pertence-me, permito que me atravesse para que se dissolva. O que não é visto permanece, ainda que invisível à nossa consciência, por isso possamos nós ir iluminando e tornando visível o que dói para que a consciência se faça. E o contido se desfaça.

E as circunstâncias sempre se tornam úteis e medicina que destapa as causas. 

E tudo sempre para que reconheças que és AMor em Ação, com valor e habilidades para que te estimes e acolhas exatamente como estás e és.  

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