E ali estava ela de branco... dançando, largando lastro, soltando.... deixando ir.
Deixando ir a luta, a tensão, a resistência, a postura da guerreira sempre pronta a romper, a rasgar a ir para a frente.
E a guerreira da paz veste-se de branco. Faz o luto das suas dores, o luto da força masculina que se impunha para avançar.
Na dança precisava deixar-se conduzir. Confiar que o outro a pode guiar.
Podia finalmente descansar.
E aí sentia-se desocupada, com caminho aberto, livre... e a inquietude vinha desassossegá-la. O que fazer desse espaço com espaço, sem querer preenchê-lo. Ficar aí a apreciar a sua leveza.
Não precisava de tomar conta de ninguém, para além de si. E isso já era tanto, tudo. E se achava que já bem se queria, ao largar as ocupações, os pesos, percebia que bem se podia querer melhor e mais sempre.
E tomava mais vida em si, cada vez que se tomava com mais Amor e tomava para si a força e a grandeza dos seus antepassados. Os guardiões sempre acompanham e protegem as nossas costas, fortalecem as nossas raízes e deixam-nos livres para caminhar no nosso próprio destino.
E o luto permite olhar para a morte, aceitá-la e inclui-la. E olhar para essa verdade sem querer exclui-la ou eliminá-la fortalece. A morte está dentro da vida e um dia juntar-te-ás a ela. Por enquanto, segues viva e caminhas na vida.
E honrar a força de vida da semente, da ação do masculino, sem lhe querer tomar o lugar, respeitar o papel, o lugar de cada um. Não querer acelerar, conduzir ou levar ao desfecho de uma solução.
Sem pressa.
A seu tempo cada coisa se acomoda no ritmo próprio. Assiste ao que acontece. Acolhe, recebe.
Sabe que tem muito por fazer e viver...
O sangue corre-lhe nas veias.
As ideias, os projetos, as formas, as palavras, a música, a dança, a arte, as criações.
E tanta emoção a comove e a faz mover. Tudo a inspira.
E ao desocupar-se estranha-se, mas alegra-se por perceber a Ordem subtil que se movimenta. E agora poder ocupar-se inteiramente de viver a Vida que lhe foi dada.
Vê-se mulher. Sensual, feminina. Emotiva, vulnerável, suave ao toque como as pétalas de uma flor que vai desabrochando e abrindo uma por uma para que a fragrância se espalhe.
É indivi(dual) e aceitando a polaridade integra-a. Inclui. Percebe-se parte que só faz parte em relação com o outro. E aí comunga, dança, enriquece-se, despe, envolve-se para acrescentar e subtrair.
E se luta aprende também a render-se. A encarar o inimigo que a habita, a falar-lhe e a oferecer-lhe flores. E reconcilia e agrega e torna-se cada vez mais íntegra.
É que para amar é preciso parar e olhar. Permitir que doa, e ampliar o olhar para além da narrativa que passa. E com essa visão amorosa entender a função. Só assim se pode Amar o que é, sem desejar ou querer que tivesse sido diferente. De outra forma como terias aprendido?
Aceitar o que se sente, sem querer alterar a sua expressão, sem classificar como bom ou mau... e sem querer conter ou reter. É que não é só de bons momentos que nos queremos apegar, mas também às dores e feridas... para "garantir" que ficamos em "lugar seguro" (conhecido) e não nos movemos para o mistério da vida.
É que isso é também largar a ilusão de um controlo e de um "Poderzinho" sobre o que e quem nos rodeia.
É que dá Medo mesmo... largar os apegos e pesos de uma vida.... mas se podes seguir leve, alegre, solto, VALE A PENA IR COM MEDO MESMO.
São só os primeiros passos, e quando se aprende a caminhar, exploramos as texturas, os passos, o caminho e também tropeçamos, mas a vontade de ir leva-nos sempre a Tentar.
E se um dia aprendemos a caminhar foi porque nunca ninguém nos disse que seria impossível conseguir. Então porque permitimos que hoje nos coloquem travões e emprenhamos pelos ouvidos tantos obstáculos a ponto de desistir sem tentar?
É a aventura, a travessia, a exploração que nos permite apreciar a magia.
E cada vez que a vida lhe pedia para parar e atravessar a perda, os lutos, ganhava oportunidade de se olhar mais fundo. De se apreciar cada vez com mais profundidade. Encarar os monstros, as oscilações e permiti-las com maior aceitação. E aí poder contemplar a beleza.
Em carne viva podia receber mais o corpo e a alma. Agradecer e valorizar cada passo percorrido e reforçar a vontade de prosseguir.
Reconhecer-se. Reconhecer as bênçãos, a força e o milagre da Vida, que sempre se encontra e renova.
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Cuspidelas