Parecia já ter feito tanto num tão curto espaço de tempo. E o tempo agora parecia parado, ou teria congelado. A pressa de viver tinha-a cansado. E estava de ressaca a recuperar.
Para quê correr quando podes caminhar? Do que tens pressa? Para quê exibir quando podes respirar?
E às vezes abria a boca e escutava a sua respiração ofegante.... tanto por dizer e fazer que só lhe apetecia ficar... ali quieta a respirar e apreciar.
E tanto por contemplar... tanto por estar presente. Nesse espaço de encontro e de não fazer.
Encontrava-se com a sua polaridade. E começava a falar sobre ela... não para que o outro a escutasse, mas para que ela mesma se pudesse receber no seu contraste e paradoxo. Merecia receber-se, respeitar-se e amar-se na sua controvérsia.
Do que tinha fome?
De si... de se receber como o presente mais esperado. E existir e tornar a sua existência completa não se tratava de conseguir grandes feitos, nem deixar obra feita... essas foram as ilusões e frustrações que começava a soltar, cada vez mais.
Não precisava de se agradar, de ser agradada nem de agradar... ainda que fosse assaltada pelo nervo miudinho, pelo seu jeito desajeitado que denunciava o desconforto, a insegurança, via-se e assumia-se de si para si. Assim estou. Lidando com o desconforto, com a incerteza, com o pior de si. Via-se e revia-se na sua pele e em tantas peles.
O desejo pela validação exterior. A provocação, a rebeldia, a extroversão, a excentricidade.... quero chamar-te a atenção. Mesmo que não me aceites, sei que me viste. Usou tantas vezes a expressão "Não importa que falem mal, importa que falem".... tal era o desejo de ser vista, ocultado tantas vezes na não importância do " I don't fucking care" e claro que no fundo, lá bem fundo, claro que se importava que se importassem.
A diferença é que agora eu importo-me, eu importo. E a partir do momento que vejo e me revejo e me recebo, tudo fica bem e acomoda-se. E ainda que me dê conta do drama que me corre nas veias e não o consiga evitar, os momentos em que me apercebo, posso cuidar. Sem querer expulsar, nem mandar embora.
Do que serve criticar, resistir e repelir este ser que sou, por ainda não estar onde acharia que deveria estar?
Passa o tempo... e é tão interessante rever-me e reconhecer-me no outro. Agora com um distanciamento diferente, um carinho e acolhimento por mim e pelo outro.
Recordo-me de não assim há tanto tempo as grandes revoltas que me inundavam.... por me sentir "regredir", de tanto trabalho feito e como ainda voltava aos mesmos padrões, como patinava e não conseguia evitar determinados comportamentos, atitudes.... sentia que tinha jogado para o lixo o investimento feito em mim, que tinha estragado tudo. Ou então desacreditava, punha tudo em causa, e revoltava-me com "estes caminhos espirituais" que não se adequavam à vida real do dia a dia. E mestres, facilitadores, ui, quantas vezes me apetecia bater-lhes, como se fossem responsáveis pela minha revolta, que isto é muito melhor quando encontramos culpados ou alguém em quem descarregar a dor sentida.
O que importa é expulsar a dor, arrancá-la para passar à frente. Qual o caminho mais rápido e eficaz para me livrar do que dói? E para que serve continuar aqui... nesta senda por me conhecer e evoluir? Qual o prémio no final da jornada?
Deixa-me fingir que não dói para ver se passa mais depressa.... foi também uma das estratégias adotada.
E hoje os desafios continuam.... que há tanto e tudo sempre por abrir, ver e curar. E olho para quem acompanho nas respetivas jornadas e assisto e sou presença para os momentos de dor e da travessia da noite escura da alma, em que nada mais há do que o teres de te confrontar contigo mesmo e nessa jornada deixar cair os velhos conceitos e formas.... e abandonar as vestes, desapegar e seguir no desconhecido, na presença do não saber, do fluir e confiar tem tanto de belo, de reconciliador, de amor e consciência como de assustador. É dar passos no vazio e saber com o coração que há caminho.
É uma nova linguagem, é uma nova vida.
E reparo e recebo em mim com tanto amor e compaixão a resistência, a revolta, a frustração dos processos ao meu redor, é também a mim que recebo.
Trabalhar em nós dói... é preciso coragem e valentia para abrir, ver e continuar a aprofundar, assumir e aceitar o que vem sem querer arrancar ou esconder. Nada é mau, nada é bom. E estar aí nesse espaço de acolhimento, de neutralidade é Amar.
Há tanto para receber em mim.... E cada pequeno pedaço que acedo e consigo receber é dar-me as Boas Vindas. E aceitar a medida do que é e, não que gostaria que fosse, sem pressas, aceitar o ritmo de cada permissão que o meu ser me vai dando. É respeito. É compaixão. É entender. É aceitar. E aceitar é amar.
E há tanto por aceitar.... Sou abundância, um tesouro sempre a encher-se de riqueza em tantos e todos os níveis.
E se parece egoísta o Mi, mi, mi.... e o que é isto de tanto olhar e curar dentro.... é porque se me vejo como Um, vejo-te também como Um. E tantos Uns. Sempre que te vejo é sobre mim que falas... o que rejeito, o que acolho.
E se me Amo, Amo.
Como não fazer o Amor, ser e espalhar Abundância?
A polaridade ajuda-me a ver as partes, a juntá-las, incluí-las e tornar inteiro.
Que o teu caminho floresça.
Feliz primavera.
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Cuspidelas