E nessa viagem de olhar-te e apurar os sentidos para sentir melhor sem querer mudar nenhuma peça de sítio, nem sensação. A gentileza de descalçar os sapatos, de fazer uma vénia para entrar no templo sagrado que é a casa de cada ser.
Eu escuto.
A dança da respiração e da máquina que sempre se move discreta e quase silenciosamente para que o corpo se combine na ação de pensar, sentir, comunicar e locomover-se.
A simplicidade de ir subtraindo ideias, conceitos, julgamentos, apegos. Regressar ao simples. Despejar-se do querer, da expetativa e projeção. Ficar apenas aí... aqui. Presente no que se mostra e acolher o que vem com alegria, curiosidade - a recetividade que tudo fecunda e faz germinar.
A força da matéria que dá forma aos sopros divinos. E a metamorfose contínua que se vivifica nas formas. E assim é o divino que se revela em cada átomo.
E se vejo, observo mais um pouco. O que acontece no movimento que se move, onde participo, onde me ausento, onde me atrapalho. Onde humedeço. O que sai como sai, as conexões, os discursos, os desencontros, os silêncios. O que se diz sem sentido. O que sai e não se sente. A vontade de ir e as palavras que não saem, por não serem necessárias. As perguntas que surgem e o mestre seguinte que aparece dando as respostas.
Sempre estamos a servir e a ser servidos quer disso tenhamos consciência ou não. E nos silêncios vou cruzando-me com as minhas partes, trazendo-as para dentro.
E lavando os olhos vou renovando a vista, para ir mais fundo. E mais fundo é mais transparente. Para além do visível aí estás tu, templo sagrado.
E os véus vão-se dissipando, já não há dualidade. E o incómodo, o desassossego só quer ser recebido. Tudo precisa de ter espaço dentro para ser sentido. E não há certo nem errado quando moras, dentro de ti, templo do amor.
A generosidade de te tocares sem justificares, sem pedires licença para ser e estar. És diferente do outro templo que se cruza contigo, e podem conviver no mesmo espaço em harmonia. Concede-te esse espaço e respeito para seres.
Reconhecer e honrar os diferentes templos não é seguir praticando a sua fé. É ocupares-te de varrer as folhas soltas, gastas e velhas que caem à porta do teu templo para o manteres limpo, ordenado e cuidado. Pacificar as guerras que tantas vezes não reconheces em ti e vem o teu irmão por amor entregar-te. E tu cego, opões-te, resistes e amaldiçoas.
O amor vence pelo amor. No centro do templo sê altar. Se és movido podes dar-te conta de como estás e onde estás. Como não amar o que chega e como chega?
Somos altares vivos com pernas, voz e cor. Gosto de renovar as minhas imagens mentais. E as viagens, os lugares por onde passo e o espaço que abro dentro renova-me o sentir e faz-me refletir.
E tudo passa a ser uma viagem, e eu turista, já que os lugares sempre trazem nova informação. E tudo muda de lugar. Somos células vivas que se renovam constantemente.
E sigo passeando-me dentro e fora, contemplando os altares vivos que a Vida mostra.
E hoje é um dia Novo. E tu, um novo altar.
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