Convite


A surpresa de estar e escutar os presentes. Convidar porque se deu a palavra, mas não há verdadeira vontade de ir. E por isso dissolve-se o programa. Justo para dar lugar a que outro entre. O corpo pede escuta. E ela pouco a pouco vai recebendo os sinais e permitindo que entre a confiança, as pessoas e tudo o que necessita. Abrir espaço à confiança, à vulnerabilidade, a receber.

E quando escoava emoções o corpo relaxa e tensões libertavam-se e  ganhar espaço permite que o novo entre. E assim lá se propunha ela a uma nova viagem dentro de si. No e com o movimento do corpo.  

E nessa escuta permitir que os convites cheguem. E confiar que são os certos, que vêm por bem. Ela já fizera o movimento de se inscrever em formações. O burburinho dos seus bichos carpinteiros faziam com que a sua energia se movesse. Estava calma. Aparentemente quieta. Mas a sua energia criadora estava em ação. A fazer espaço. A alinhar-se  silenciosamente.

E estava no lugar correto. Em si. Observando a dança. Retirando os pesos, o julgamento, a pressa. E permitindo. Era tudo o que precisava. Permitir-se.

Estar na sua honestidade. Percorrer o caminho de si até si. Não havia nenhum lugar para onde ir. Apenas ficar em si.

Deixar que tudo corresse, inclusive o desconforto, o desarrumo. Acolher cada braço seu, cada perna, cada lágrima, cada arrufo,  crítica, elogio. Podia e tinha o direito a sentir tudo. Validava-se em cada  tremer seu, em cada fraqueza, dúvida, insegurança. Estava a renascer e mesmo que não estivesse, podia ser tudo em cada momento, mesmo que no seguinte fosse tudo o contrário.

É que a dança é quietude e movimento. É respiração. Som e ausência. Música e silêncio. Vida e morte. Caos e Ordem.

E estava a aprender-se sem se prender, apegar ou definir, ainda que se lhe viessem rótulos também os poder usar.

Estava curiosa em desenformar-se. Qual bolo sem ovos, qual forma, qual cozinhado. Nunca estivera pronta, ainda que transportasse dentro tantos padrões que a encaixavam e condicionavam e tratava de pouco a pouco descondicionar-se  amar-se no pacote completo. Por mais difícil que isso lhe parecesse tantas vezes e outras tão fácil.

Espreitava-se. Mantinha-se curiosa. Sempre era novo caminho por trilhar, novos passos, novos pés. Novo olhar. Seguia curiosa, por vezes trémula, por sentir a pele frágil e a casca sensível. Estava em carne viva. Mas isso fazia-a sentir-se com mais intensidade, ainda que desconfortável. Ia-se ajustando, dançando melhor ao ritmo da sua música. E escutando a melodia da sua alma, que se ia mostrando timidamente.

Seguia. De ouvidos e olhos postos em si.

Era um convite. A vida convidada e chamava-lhe pelo nome. E ela ia atendendo à medida que conseguia atender.
 

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