Os ramos de uma árvore e as religiões



"Eu vejo as religiões como os ramos de uma árvore. Uma única grande árvore com raízes subterrâneas que se prolongam por baixo da terra inteira... Elas crescem todas na mesma direcção, para o céu. É normal, é o destino de todas as raízes. Depois o tronco sai da terra, muito direito, muito limpo. A árvore é um embondeiro africano porque a gente pode gravar na casca o que quiser. Lê «Deus existe para bem do homem», é isso que está escrito no tronco.

(...)- Espera! O tronco comum das religiões não se limita a afirmar que Deus é bom! Ao lado, num cartaz, escrevi as prescrições, que não cabiam no tronco. O modo de utilização se quiseres.Deus existe para bem dos homens, dentro de certas condições: se for honrado, se lhe rezarem, se lhe fizerem sacrifícios. Senão Deus torna-se terrível! Provoca o dilúvio, o exílio, a guerra, a seca, o raio, é só escolher.

(...) Todas as religiões querem reunir e proteger.

(...) - Acontece que os primeiros jardineiros de Deus morrem. Os que vêm a seguir zangam-se uns com os outros, parece que é humano. Cada jardineiro tem lá a sua ideia sobre o adubo. Para o primeiro é sangue de animal, para o segundo é vinho e migalhas de pão, para o terceiro é só água, o quarto quer água mineral, o quinto água filtrada, o sexto só quer lume para queimar as folhas secas, o sétimo quer apenas ar; em suma, são ecologistas que não se entendem. Um belo dia, cada um deles publica o seu modo de utilização para tratar a árvore. Está tudo estragado. Todas as religiões começam a defender-se e a combater. Pronto. E na Primavera, quando a árvore cresce, cada jardineiro fica com um ramo, e em cada ramo o seu deus.

(...)E sabes o que é que acontece à árvore? Se não é cortada definha.. Vê lá tu! Quando, por acaso um ramo importante da árvore deixa de dar folhas, aparece um novo jardineiro para o cortar. E depois ele renasce. Quando o judaísmo começa a secar, o jardineiro Jesus corta o ramo morto. O que vem a dar dois belos ramos em vez de um. Um velho e um novo. Quando o ramo do cristianismo fica cheio de bolor, o jardineiro Lutero arranca o ramo, de uma vez só, sem o tratar. E acontece a mesma coisa. Quando o ramo bramanismo deixa de crescer na Primavera, apresenta-se o jardineiro Buda e faz a limpeza. E é assim uma coisa sem fim...

(...) Os humanos só queriam uma coisa: trepar o mais alto possível, ir até onde as folhas tocavam nas nuvens. Inventaram a escada que funcionava bem.Um dia um espertalhão qualquer partiu a escada, só para experimentar. Já não havia maneira de chegar lá acima!Em todas as religiões há um espertalhão que parte a escada entre o Céu e Terra. Depois, os jardineiros vieram para tentar por outros meios. Fazer com que a árvore cresça muito, permitir aos homens que trepem. Eles nunca deixaram de trepar...

(...) Tenho vontade de subir. Mas não muito. Gostava de me instalar num ramo cá para baixo, de onde poderei vigiar a hera. Ver como é que o jardineiro se porta, dizer-lhe para não cortar muito, para podar como deve ser, para não estragar a árvore... Também haveria de dizer-lhe para a deixar em paz na Primavera: há uma época para podar e outra para adubar. Pedir-lhe-ia que não pusesse grades nos ramos. Que não tirasse os ninhos dos pássaros, apesar de eles fazerem sujidade. As sujidades fazem parte da vida da árvore."

Conlusões de Théo sobre a religião, in Viagem de Théo, de CLÉMENT, Catherine

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