Descrição de Emoções



Sala cheia de cabeças tortuosas à espera de uma falha de um deslize o ar condensado pelo calor dos corpos e o vazio das almas que se interrogam ao sabor das palavras que se repercutem num espaço e tempo que se tornam infinitos à medida que ecoam na minha cabeça as palavras começam a andar a 100 à hora na minha cabeça como se o seu significado fosse desconhecido como se ainda não fizessem parte do meu vocabulário talvez sim mas tivesse medo de usá-las e exteriorizá-las ou talvez não ousasse conhecer porque estou presa à normalidade das ideias dos pensamentos das acções que pratico afinal do que tenho receio da ousadia das palavras ou da ousadia dos julgamentos ou será mesmo medo de sentir olho à minha volta só vejo cores máquinas estilizadas que se movem em ritmos coordenados à espera que o botão se desligue o calor abafado de uma sala cheia de células e átomos de repente começa a refrescar pela interrupção deste ciclo normal e com a invasão de um ar artificial a tecnologia do ar condicionado já inventaram de tudo tiram-nos a vida para nos darem uma outra mecanizada onde nos roubam as ideias os pensamentos e a vontade de sermos nós próprios para distinguir serve-me a aparência das roupas do calçado que cada vez mais tendem a uniformizar que chatice continuo a ouvir uma voz melodiosa que cativa a minha atenção quero fugir mas simultaneamente quero saber donde vem sinto-me extasiada pela descoberta de um rio que corre de ideias nunca antes ditas mas já sentidas as respostas que andamos à procura mas não as encontramos porque não olhamos para dentro de nós buscamos o outro e não nós mesmos no fatídico lamento do destino que criámos o refúgio num olhar sereno que observa cada um dos actores que está por detrás do pano quer ver uma identidade sublimada mas permanece o medo de partilhar e de sentir por isso vamos catalogar quem sente de anormal os outros seres amorfos fantasmas da sua própria sombra farão parte da normalidade a bela normalidade que nos dá a merda de uma estabilidade do chegar a horas ao local esperado do sentar da forma correcta do respirar da forma correcta tudo correcto para que a perfeição desejada seja também ela correcta e eu deparo-me ali sozinha numa sala cheia de sombras que se movem em câmara lenta as palavras saem distorcidas constituindo um ruído contínuo e só oiço aquele rio correr como se aquela água que corria fosse completamente uma novidade para mim o cheiro a pó e a suores dispersos o calor abafado deixaram de ter importância para deixar entrar aquela água por todos os meus poros no entanto a vontade de ser eu era sempre interrompida pelas sombras e a pressão dos olhares de julgamento à espera de uma escorregadela à espera de uma fraqueza de um sentimento solto para que pudessem esmagá-lo abracei a minha esperança e disse-lhe para não fugir que fosse minha confidente e não me deixasse cair a coragem concentrou-se no centro da sala num ser sofrido e destemido sem medos em descrever o cheiro a estrume que lhe assolam os pés após um dia cansativo de trabalho o seu rosto marcado pelos anos marcava a passagem de um tempo que não se controla o cabelo grisalho e escorrido pelas células sebáceas que não param de trabalhar reflectem as batalhas travadas de uma vida que nem sempre saboreou vitórias mas que permanece perseverante a sua batalha é manter-se fiel a si mesma senti que a água não pára de correr o sol não pára de brilhar e a noite continuará a ter o seu lugar

escrito em Junho de 2003

Comentários

  1. Cuspinho, nessa altura preocupavas-te imenso com o q os outros pensam e julgam....mas com a idade isso passa, adquir-se confiança em nós que nos dá a audácia de sermos nós mesmos.
    Compreendi a intencional falta de pontuação.

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  2. é giro deparar-me com os escritos antigos e olhar sob outra perspectiva... a revolta que habitava cá dentro. não que ela cessasse, provavelmente hoje assumiu outros contornos. fiquei deliciada ao encontrar excertos das emoções :-D

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