Compasso

Entre o som de uma palavra e outra há um compasso de espera que se abre... breves segundos de silêncio que enlaçam harmoniosamente todas as palavras, poderia falar de música, de movimento. Há sempre um compasso que liga, unifica e que torna o conjunto harmonioso.

No quotidiano andamos sempre tão acelerados que temos dificuldade em abrandar o ritmo para contemplar os compassos. É tudo tão agitado que há a dificuldade em parar. Mas essa paragem pode ser de fracção de segundos, apenas temos de ter a consciência dessa paragem efectiva, contemplarmo-nos e contemplar a envolvente com partes integrantes da existência.

A vida vai-nos colocando desafios, uns atrás dos outros, e nós na embalagem acelerada com que levamos a nossa vida vamos de seguida, solucionando, solucionando, sem fazermos a paragem de repouso, de respirar fundo, de acalmar a azáfama que corre nas nossas mentes. E tudo o que precisamos de fazer é perceber ok, eu respiro. Agora continuo com todo o Amor e carinho, mesmo perante os desafios que se apresentam como obstáculos intransponíveis.

Preocupamo-nos demasiado. Com o que pensamos, com o que os outros pensam, com o socialmente aceite, com o não quer magoar ninguém. E nós? Será que eu fico bem? Será que eu estou confortável e bem comigo? Abafamo-nos facilmente na teia exterior que nos envolve, embebemos todo o sofrimento de fora, das possíveis culpas que nos podem atribuir e que nós também atribuímos e esquecemo-nos de ser benevolentes connosco.

Ah, e se me acontece alguma coisa? E o trabalho? E o sustento? Então e tu? O teu bem-estar, a tua alegria, a tua saúde? Só assim poderás estar presente para quem te rodeia, na tua plenitude.

Tantos escapes arranjamos para fugir, para justificar. Este não é o momento ideal da minha vida. Podias ao menos ter avisado que ias aparecer. Assim preparava-me. E agora?

É imaginar que a morte agora me batia à porta. E eu dizia. Não! Podias ter avisado. Ainda é cedo. Se tivesses avisado antes eu tinha-me preparado. Teria cuidado da minha saúde, teria viajado, teria cometido aquelas loucuras que nunca tive coragem...

Ora, mas que bem!

A vida não pára... respira portanto nos entretantos, para não perderes o fôlego e manter a serenidade. Podemos planear objectivos que mexam com a nossa vontade cá de dentro que nos impelem a mover por aqui e para ali. Tudo certo. Mas se a vida te mostra um atalho um pouco diferente do planeado tens de ter a flexibilidade de encaixar também esses atalhos, porque vão certamente enriquecer-te.

Sempre tracei objectivos. Muitos. Sempre os atingi todos, até há relativamente pouco tempo. E aquele que queria mais desalmadamente surgiu-me "supostamente" no momento menos oportuno, mas até aí foi uma aprendizagem esplêndida, mostrou-me a capacidade criativa de dar a volta à questão. Agarrei o desafio e experimentei a partilha e solidariedade de todos os amigos.Lindo.

Deixei de traçar objectivos a longo prazo. A minha ambição é poder ser quem sou de forma íntegra e amar plenamente tudo o que faço. Poder crescer enquanto ser humano. Grande ambição a minha, ambição de uma vida pelo que não cabe mais nada aqui, senão o Amor que me move.

Na vida a única coisa que se controla é a opção de escolha perante o cenário que tenho à minha frente. Porque de resto, não me posso servir como no supermercado de este cenário agrada-me, deixa-me pôr uma jarra de flores e um cortinado laranja às bolinhas. Todos encontramos, cada um à sua maneira, todos os cenários de que precisamos para crescer. E nem sempre os caminhos são bonitos. Muitas vezes vêm repletos de espinhos e arranham por todos os lados. A forma como lidamos com esses cenários é que vão ditar o nosso crescimento e permitir a nossa transformação e maturidade.

É aí que reside a nossa escolha. Como lidamos com os desafios propostos, como os alimentamos de Amor ou Medo. Onde está o nosso Amor por nós e pelo outro. Como permitimos que o outro nos invada e descarregue em nós os seus medos, por acharmos que estamos a ser tolerantes e que temos de dar o nosso Amor. Ou quando temos o nosso Amor por nós e por isso não permitimos que o outro descarregue em nós qualquer coisa que não seja Amor e aí a firmeza de um não, como acalmante para um sofrimento que não tem de ser alimentado, mas curado. Todo o Amor é transmitido na mesma, porque ele está lá, apenas não é recebido da forma "tradicional" com a qual fomos educados de "toma lá uma palmadinha nas costas". Estaremos assim a alimentar monstros, de ah sim sr. sofres muito, continua na tua dor que eu alimento-a.

A vida pede-nos coragem. Coragem para sermos quem somos. Para nos assumirmos. Para encararmos os nossos medos e as nossas decisões, com a benevolência de uma pena que acaricia as feridas que abrimos e com a garra de um leão que lambe as suas feridas e continua na aventura de viver.

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