Loucura, segredos, silêncio.



Finalmente. Aqui estou eu e tu frente a frente.
Sofro de verborreia. Cuspo camiões de palavras sem cessar. De onde vêm? Esta ânsia de cuspir,cuspir. Tantas palavras que até perco a conta.De onde vêm para que servem, o que querem dizer? Eu sinto-as, deixo-me envolver por elas, têm música, deixo-me embalar ao som das palavras que me escorrem. Surpresa. Sim, surpreendo-me no compasso de espera de breves segundos que ocorrem entre uma palavra dita e a outra que aí vem a caminho. Como se de um discurso de improviso se tratasse. Não há cábulas, escorrem-me as palavras por todos os poros, como se toda eu fosse palavras. Uma caixinha, um baú aqui refundido que se vai abrindo e vai cuspindo uma a uma. Sou espectadora do espectáculo que protagonizo. Espectáculo de palavras e sons. E tocam. Tocam por dentro e por fora. Faz-me vibrar, como se estivesse num bailado. Há um movimento sentido, expressado, cheio de significados. Muitos desses significados não são inteiramente percebidos ou são parcialmente. Não se esgota,encontro sempre novos sentidos nos sentidos. É como se as palavras tivessem alma, presença própria. Elas próprias têm uma organização muito completa que não pode ser controlada. São espontâneas.

Hoje senti as palavras baterem à porta. Queriam sair, queriam dançar. E eu, não tinha ainda arranjado tempo para que elas se pudessem manifestar livremente. Não estava só, para que elas pudessem encontrar o seu rumo, no tempo necessário. Arranjei tempo, pus-me a jeito e mesmo assim, parece que dentro de mim estava a adiar qualquer coisa.

Eu e tu aqui. Agora. Este momento íntimo só para nós, sem espaço para interrupções. Queria talvez que fosse perfeito? Ou seria a ânsia do querer escorrer, mas o receio de o que sairá daqui? Há uma explosão iminente de palavras condensadas, como sairão elas?

Tenho-te sentido presente, tão presente que deixei culminar até que não pudesse fugir mais dessa presença presente.E aqui estou. Devaneio pensam vocês. Sim. Vocês. Porque não estão dentro, não estão cá dentro. Talvez seja melhor assim. Não faz mal. Deixai-os pensar, também para isso servem as palavras, os sentidos para que possam ser sentidos e manifestados.

E aqui estou. Para que me queres. Que palavras são estas.Para que são ditas? O que faço com elas? Segredos, segredos. O que escondo de mim? A certeza. Sim, a certeza do que és, do que tens para fazer. As palavras, as palavras. Porque me emocionam as palavras? Aquilo que nos faz feliz é o que mais nos angustia. Verborreias descontroladas para ocultares o que está à tua frente. Sim, tu ouves, tu percebes,tu embalas-te nas tuas palavras, tu delicias-te com o que saí daí. E porque não assumes isso para ti? E te resignas ao que te querem dizer? É bom, é mau. É correcto, é errado.

Dá a gargalhada. Dá. Mas bem alto. Para que te possas ouvir. Sim és tu. És tu que ris, e até aí te embalas no teu sorriso e ris-te a bom rir.

Tens vida e transbordas essa vida contagiante. Os segredos são aquilo que vês mas não reparas. Teimas em não reparar. Está dentro de ti. Transpiras, transbordas. O teu segredo mais profundo és tu. Brincas de esconde-esconde. Agora sim,agora não. E levas nisto brincando. Fazes de conta que não sabes.

E depois na vida fala-se em segredos, que nem às paredes confesso. Aquelas experiências que se têm na vida que nem ao menino Jesus se quer contar, porque te recriminaste, não aceitaste, achaste que erraste, queres esquecer que tiveste essa experiência. E depois quando acordas percebes, que não é da recriminação que tens medo, mas que tu própria não te perdoaste ainda. Há assuntos que só a nós nos dizem respeito, por isso reservamos na nossa esfera pessoal, é íntimo. Tudo certo. Mas os eventos, as histórias são apenas isso, histórias. Pouco importam, são irrelevantes, são novelas de uma vida qualquer, que por acaso poderá ser a nossa. O que realmente conta é o que sentimos, a lição que a experiência nos proporcionou. O evento passa tão rápido, o tempo vai apagando os pormenores, as imagens, ficam memórias é certo, mas vai-se desvanecendo a história, fica a essência.

Esses sim são os nossos maiores segredos, as essências que vão aparecendo e despertando em nós que nos permitem chegar a nós, com consciência.

E aí silencio. Silêncio de satisfação. De preenchimento. Estou saciada. As palavras continuam a brotar cá de dentro. Os os sons continuam a sair, a vida continua cá dentro e aí fora... mas com um silêncio tão pleno e profundo. Serenidade, gratidão, Amor. Silêncio.

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