O que está cá dentro mora lá fora?

Deambulações. Sou viciada em palavras. A escrevê-las, a lê-las e a vivê-las. E cada vez se torna mais dificil pôr em palavras o que mora cá dentro. Tudo é tão passageiro... Os momentos, as palavras... mas fica o sentir, um resultado, que é difícil torná-lo exprimível e muitas vezes até consciente. O tempo passa a correr. E tanta coisa ocorre em cada minuto que passa que se torna complexo processar toda a informação que nos chega. Acordo com um telefonema. A combinação para um passeio. Outro telefonema para almoço e tudo o que mais queria era voltar a dormir. Processei as chamadas, com um "Já vou!". Adormeço profundamente. Três horas depois volto a acordar. "Merda, já é tarde". Tarde para quê? Despacho-me em passo acelerado e lá vou almoçar com a família. Pelo caminho, lembro-me " É o dia da mãe. Merda! A minha mãe fez anos ontem. Esqueci-me completamente". E ainda assim com esta atrapalhação toda lá vou eu até casa dela, com o pensamento, onde poderia encontrar uma florista. A sorte sorri-me e quase à porta de casa, encontro a florista aberta com um lindo arranjo de flores. Lá vou eu toda contente com o vaso de flores para lhe oferecer. Não que isso desculpasse o meu gesto de me ter esquecido dela no dia de aniversário. Mas levei comigo a verdadeira vontade de a mimar. E como a imprevisibilidade é uma constante da vida, sou surpreendida por mais dois convidados à mesa, o irmão e a namorada. Lá se ia o meu passeio por água abaixo. Acontece. Como gosto de dar voltas às voltas e tornar as situações inclusivas, eis que me lembro de juntar tudo. Ok. Vamos todos passear. Resposta positiva. :) Faço as combinações para concretizar a coisa. Entretanto, eis que tudo furado. Chamada repentina do trabalho que retira o tempo necessário para o passeio, anulando-o por completo. Amiga pendurada! Fico a fazer companhia ao mano até chegar o momento dele se ir embora. Passava-se assim uma tarde. E a lista dos afazeres por completar. A amiga é ressarcida, passeio de fim de tarde, mais encurtado, mas ainda assim com proveito da boa companhia. E no meio da combinação volta para cima da mesa, a lista dos meus afazeres inadiáveis. Eis que pelo caminho, faço as compras da semana e lá vou buscar a amiga para o passeio. O cheiro a maresia, ao som da música do rádio a tocar, de frente para o mar, com boas gargalhadas. Mais uma vez a lista dos afazeres impõe-se. Faz-se tarde, temos de ir, tenho as compras no carro e a lista dos afazeres para completar. A caminho de casa, apercebemo-nos, é hora de jantar. Temos de fazer ainda o jantar. Kebab, olha um kebac aqui. Ah! E há outro perto da nossa casa. Contando os tostões, vamos, não vamos. Ai e os meus afazeres! É só jantar. É rápido, vamos lá. Depois vamos logo para casa. Mais uma música no carro e mais outra. Vá... vamos lá. Temos de ir. As partidas são sempre difíceis, ainda que seja um até já. Caramba! Seria assim tão difícil digerir os afazeres que tinha para fazer que me puseram neste ponto de fuga brutal?! No dia anterior tinha planeado muito bem o dia, como o teria de gerir para que pudesse pôr em ordem todos os meus afazeres sem grandes aflições e correrias... e tudo acabou de patas para o ar. 22h30 entro finalmente em casa. Compras para arrumar, plantas. Ah, plantas, as loucuras de supermercado, venho sempre com mais uma ou duas ou três plantas, coisas que não fazem parte da lista mental de bens necessários, mas que de vez em quando lá vem na bagagem. Vasos para mudar, plantas para regar. E a seguir aspirar, lavar. Ups. A louça da noite anterior. A roupa para arrumar. E a escrita? E os textos? Lá, lá, lá.... Lá está ela a fazer tudo o resto, para conseguir ter a paz necessária, para ok, agora só falta isto. Tudo o resto já está feito. A escrita está a escorrer. E os textos? Continuam por fazer... O documento está já aberto e o livro que estou a ler de vez em quando salta-me à vista, a dizer "Agarra-me e abre-me, lê-me". E são 3 da manhã. Tanta energia que escorre entre os dedos que batem no teclado para transformar as letras em palavras. E pergunto-me, porquê? Porquê esta sabotagem... de correr contra os planos? Sabe-me muito bem o improviso. O improviso dos momentos, das situações e de perceber como tudo se compõe. A casa pôs-se limpa num instante, sem esforço. Tudo se compôs alegremente... mas os planos, esses saem sempre furados, como por magia. O que está cá dentro mora lá fora de uma forma tão estranha. Mas isso também faz parte.

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