Conto sem ponto

Precisamos conversar.
Diz ela... Num tom firme e sorridente.

Sim, claro!
Responde ela com ar meio surpreso, ainda que esperasse que tal conversa pudesse surgir.


E entre troca de olhares e expressões silenciosas, sorriem de de dentro para fora, percebendo o quão essencial é conversar. Não que fosse difícil o diálogo entre ambas, antes pelo contrário, era bastante fácil a conversa entre elas. Contudo, o tempo, a disponibilidade para se darem atenção era constantemente adiado. Havia sempre qualquer coisa, alguma coisa que adiava constantemente a conversa. Mas eis que chegava o momento.


O que te faz feliz?
 Irrompe ela, interrompendo o silêncio delicioso que acarinhava a simples presença.


Ela estremece. Como se de repente a pergunta fizesse acionar um botão que põe em movimento como se um filme tratasse toda a sua vida, num fragmento de 60 segundos. E ela respira pausadamente como se rapidez do flashback a tivesse cansado de tanto movimento, de tantas experiências e aprendizagens. E após uma longa inspiração que a faz recuperar o fôlego, responde:

Faz-me feliz todos os momentos em que estou presente, em que usufruo plenamente da experiência que estou a viver, sem mas nem porquês. Há uma vontade que me empurra e me envolve e fico rendida, entregue. Há uma parte de mim que intuitivamente me diz que é correto, que é para meu bem e que irá beneficiar quem me rodeia. E isso faz-me feliz. Uma ida à praia na companhia de uma amiga, escrever um texto, arrumar a casa, desenvolver um projeto... Nada é demasiado e tudo é demasiado, pelo que o intermédio satisfaz-me.

O que te move?
Pergunta ela.

Move-me o amor A expressão, a música, o vento. O movimento de uma grande cidade e o amanhecer numa montanha. Contrastes. Tudo o que implique o sentir, mais do que atingir um resultado.

O que te incomoda?


Incomoda-me a luta, o esforço por. O sistema do dinheiro que regula a sociedade que constrange. Que torna condição pela sobrevivência. Não se faz por paixão, faz-se pelo retorno que daí pode advir. Números, poder, estatuto corrompe os valores primordiais. Incomoda o sistema de valores que desorienta.

O que temes?

Que o medo me trave. Que falhar e falhar me retire coragem para voltar a recomeçar. Mas o medo é também uma arma poderosa que permite que me desafie constantemente. O querer ultrapassá-lo.

E nesta conversa entre amigas o coração abriu-se, a mente ficou mais desperta. E dormiu tranquila, na certeza que amanhã novo dia a vai acordar, com novas oportunidades e desafios

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