De pernas para o ar

É difícil cair e saber cair. Ninguém gosta da queda. Ainda que a mesma seja inevitável. Umas vezes não se espera e é quase como um tropeção assim vindo do nada. Outras vezes a queda está iminente, é uma corda bamba constante, um equilibrismo para evitar que a queda surja.

Mas em algum momento ela vem. E é preciso força para cair, ainda que o peso seja um belo aliado às leis da gravidade. É preciso força para sentir que se caiu, para assumir as dores que causa no físico, mental, emocional e espiritual.

E ora se afugenta, enredando numa teia ilusória de que ah não caí, escorreguei, não foi nada e cá estou de pé, cabeça levantada, pronta para as curvas; ora se carrega com pensos, ligaduras e afins, cheia de fracturas e ai, que vou ficar paralisada, inerte, imobilizada. Seja qualquer for o caso, é preciso força, coragem para assumir qualquer uma das posições, porque qualquer uma acarreta dor e é o caminho,a luta com a situação, para que possa ser encarada mais tarde com a serenidade necessária.

Por vezes é complicado vermo-nos de frente, assumir e aceitar a situação na sua plenitude, sem que a vítima ou a culpada entrem em ação para fazer qualquer juízo de valor. Faz parte, é aprendizagem são nesta altura conceitos difíceis de digerir quando tudo o que mais se queria era saltar este episódio, evitar as quedas.

E cada vez mais percebo que é preciso purgar as dores, gritar, calar, reclamar, chorar, rir, sentir, simplesmente sentir.

No outro dia em conversa de café dizia-me uma vizinha minha, qualquer coisa como "vamos aprendendo com a vida os dissabores que o amor nos traz e isso torna-nos mais maduras, ajuda-nos a antecipar as coisas e evitar que passemos pelo mesmo, acabamos logo com o mal pela raiz". E no meu pensamento só me veio esta frase de um filme que vi há 15 anos atrás "uma vida sem amor é uma vida meio vivida". Viver condicionada ao medo de sofrer pode tornar-se tão amargo. Tendemos a controlar o exterior, porque não conseguimos lidar com os nossos sentimentos. Fez-me pensar...

E claro que em todos os passos que dou tento ser melhor, fazer melhor. Quero ser bem sucedida e evitar falhar, perder. Mas essa parte também existe, porque não sou perfeita, porque não controlo os acontecimentos, o que se passa ao meu redor. Apenas posso responder ao que me acontece o melhor que sei e de acordo a como estou a cada momento.

E percebo que falho, que caio, que cai imensas vezes e continuo a cair, umas vezes por descuido, outras por ingenuidade, outras porque não consegui evitar e acima de tudo todas elas porque preciso de encarar a queda como parte integrante da vida, tirar-lhe o peso. Elas mostram-me que continuo inteira, mostram que me fortalecem depois de expor a minha vulnerabilidade. Tornam-me mais humilde. Que não estou em batalha, que não há vencedores e perdedores. Apenas humanos a aprenderem a ser melhores.

E acima de tudo em cada queda percebo como é importante permitir-me sentir. Lidar com a frustração, com a impotência, com a inércia. O simplesmente querer mandar tudo ao ar, e até fazê-lo por momentos. Permitir-me baixar os braços e simplesmente não fazer nada. Abandonar-me. E sim, também é preciso força, para permitir que o que está cá dentro se manifeste. É necessário banhar-me nas águas escuras do desespero e da angústia até que o último fôlego te puxe para a superfície.

Sempre ouvi a expressão "para fazeres silêncio precisas de esvaziar-te primeiro". É preciso limpar a casa, para deixar entrar o novo. Faz todo o sentido, mas as palavras só ganham sentido quando experienciadas, quando passaste por. Quando a noite escura te atravessa o quarto e te invade, sem deixar espaço para que possas sair dela. Há momentos que atravessamos que sentimos um lamiré do que isto é... mas há outros em que parece que a noite fria e escura nos acompanha quase como um amigo inseparável, mas que gostaríamos que não estivesse tanto ali, porque faz-nos mal. Não deixa entrar o sol.

Mas o tempo também não se controla. Tudo a que resistimos, persiste. Ah e tal, eu aceito a dor da minha queda, mas estou desejando que ela passe e se vá embora. Estou farta de estar triste e angustiada. Mas já com a alegria queremos que permaneça. E no entanto, ambos os estados emocionais são impermanentes. Não se sabe quando vêm, nem por quanto tempo ficam e pouco importa. Tu não és o que sentes. Tu és o Amor que te revelas a cada instante. Infelizmente ainda que vivamos uma vida toda com a perceção do potencial amor que somos, não conseguimos senti-lo e sê-lo a 100%, apenas vislumbres. A vida é o caminho ao seu reencontro.

A aprender!

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