O espelho do meu quarto



Olho-te nos olhos. Enfeitiço-me nos teus mistérios. Deixo-me ir e percorro-te. Há tanta vida, tantas emoções que me enleiam e me envolvem. Perco-me.

A inocência do acreditar, a ingenuidade, a fragilidade, a ternura. O palpitar do coração assustado, as palavras que não saem. O querer dar o salto e o medo de cair. A vontade de chorar e a lágrima que não cai. O rosto que quebra, o olhar que afunda, o lábio que treme e uma leve mordida que tenta segurá-lo, uma dor no peito que aperta e que torna o respirar sôfrego e profundo. Uma explosão lá dentro que parece fazer ruir todas as estruturas, reduzindo-as a cinzas.

A travessia numa noite escura, sem sombras que um novo dia possa nascer...

Sai desse corpo, que não te pertence. Por momentos o palco tornou-se teu e incorporaste aqueles olhos como se fossem teus, como se por instantes a tua vida se resumisse a esse estado e que de repente o teu corpo deixasse de ser corpo para serem cinzas. A forma por instantes desapareceu, transformada  num estado perene de dor e vazio.

Atordoada, só consigo aplaudir.  E as lágrimas caem-me fio de fio, extasiada de emoção pela emoção vivida. O estado de me deixar ir, de me enredar em todo o movimento, as sensações no corpo e na alma, o condensar todas as sensações até atingir o limite de explosão que desfaz a forma e a volta a esvaziar.

Liberdade! É isso liberdade de permitir sentir.

E agora aqueles olhos abertos olham-me despertos e grandes, sorriem-me. Convidam-me para novas viagens. Comunicam com os meus e mostram-me que aquele palco é apenas o espelho do meu quarto.

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