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Parei. Sim finalmente parei. Folhas de papel do meu lado esquerdo esperam ser lidas. Gravações esperam ser ouvidas para concluir relatórios. Mais uma história que espera ser iniciada e um livro a meio espera ser continuado. Tchaikovsky entra-me pelos ouvidos, as teclas do piano vibrantes conferem o ritmo à peça, não sei se, à que é tocada ou se marcam o compasso do ritmo do mesmos dedos por onde escorrem estas palavras com pressa de serem empurradas para o papel. E imagens voam pela cabeça para uma apresentação que está à espera de ser construída. Velocidade! Calma! Contrastes como a melodia que toca que ora acelera ora desacelera e como é harmoniosa no seu desconcerto. E corre-se, e continua-se a correr, o coração bate a ritmo acelerado, parece que vai explodir, mais eis que no ímpeto da explosão  vem mais uma respiração que abre o pulmão a par e par e expulsa o ar, acalmando por segundos esta intermitência. E à medida que acompanha o ritmo, mantém a intensidade num ritmo mais estabilizado. E continua a correr e quanto mais corre mais o coração se expande e a respiração aumenta de forma mais profunda. Cada vez mais dentro, cada vez mais fora. Um não pode viver sem o outro. E ambos comungam desta força intrínseca que é vida.

Emoções, sentimentos, ideias, pensamentos, fazer e mais fazer pulsam em todas as células que dão forma ao corpo e o alimentam. Pausa. Um cigarro acende-se. A chama que vai consumindo o papel e o fumo que esvoaça, consumindo-se a um ritmo feroz, dando lugar a cinza, que após ser liberta reacende novamente a chama. Vida, morte, vida morte até se esgotar no filtro. Resta o fumo que se esbate no ar.

E eis que o ritmo da música torna a ressuscitar. Embate. O coração dispara, nova corrida começa, ainda que o corpo esteja imóvel, sentado na poltrona. Acompanha o ritmo dos impulsos que recebe e vibra. E a mente assiste sem controlo da perceção que vai tendo momento. Apenas vai escrevendo os impulsos do sentir a cada momento, na surpresa do que os seus dedos possam ditar. Não importa os significados, apenas o relato do filme que assiste. As pausas, as pausas permitem que o corpo fique com a vibração dos últimos sons que já silenciados ainda ecoam cá dentro, como se um carregador de energia se tratasse.

E vôo, leve num embalo, esquerda, direita, esquerda, direita.Não há cenário algum, apenas espaço, sem cor nem forma, espaço apenas, onde o corpo se transforma em movimento.

Abstracto. Como as palavras que ganham os significados que queiramos dar de acordo com o mundo do momento.

Artigo indefinido é o que me define no paradoxo de toda a indefinição em buscar definir-me. Verdade! Diz-me o violino repleto de emoção que faz correr a lágrima que não cai dos meus olhos, mas sinto-a como se estivesse a molhar a minha cara, uma gota, uma pequena gota que percorre todo o meu corpo cai no chão, que é terra fecunda de mim, que me integra em uníssono. Há algo que se dilui, mas permanece. Já não é só o violino são vários instrumentos que formam a melodia.

Estou acordada?! Olho para o ecrã, estou cá vejo-me, sinto os dedos no teclado e a música acelera, pedindo-me presença e os pés marcam o ritmo, como se uma marcha militar se tratasse, ahhh.... ou um circo de feras. Despertar! Alvorada!

Silêncio. Um novo dia brilha, alegre e contente, afoito para experimentar. E fecho os olhos. E escrevo sem saber como vai sair. Confio. Entrego-me nos teus braços, sem pensar e quando sinto que a mente começa a interferir perco a noção onde estão as letras e começo a perder o controlo e deixo de aceder às palavras, por não as conseguir reproduzir. O discurso deixa de sair fluido, pois a mente está ocupada a pensar na localização das letras no teclado. E abandono, rendida a esta guerra que não é minha, mas da mente que mente, por se querer definir. Quando consegue definir-se, já deixou de ser, para passar a ser de uma nova forma. Silêncio! Ouço-me respirar, existo!

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