Descalça


Tenho os dedos enrugados... mais um final de ano se aproxima. E que ano! Mais um. Com o seu toque único cheio de tudo e de nada. Marcante. É também mais um bocado de mim. Um bocado que fica e outro que me vai acompanhar, para que possa ser um pouco melhor ou talvez um pouco pior.

Nunca é suficientemente bom, ou mau. Podia ser mais perfeito. Ainda que seja perfeito. É uma espécie de fome que se renova constantemente. Agora estou saciada. Olha fiz a digestão, preciso de mais alimento. Um organismo vivo esfomeado que procura o desconforto, a descoberta, o desafio, quase como respirar. E outras vezes quer fazer dieta, apetece-lhe parar.

As horas passam... a cama chama por mim. Mas a curiosidade de continuar a deixar escorrer as palavras prendem-na. Quero correr! Sinto o corpo a dizer, "estou cansado, não aguento mais", mas não sei se é o corpo que fala ou a mente que me engana. E quando penso que não sai mais, eis que o entusiasmo percorre os dedos e fá-los escrever mais e mais. Assim são as pernas que querem parar, mas depois vem aquela força vinda de lugar desconhecido que as mantém em movimento.

Quero parar, domada pela inércia de "apetece-me estar de papo para o ar, sem fazer nenhum", tão bom. E lá fora tocam todas as buzinas e apitos a dizerem-me acorda, mexe-te. A viagem ainda não acabou. Só agora começaram a aquecer os motores.

Não há novo, ainda que seja tudo novo. Vou relembrando, nos vislumbres que me são apresentados. Toquei-te. Meio desajeitada, fui invadida pelo medo. Ai, se te deixo cair. A aflição do choro que se teimava em calar. Mas quando as vozes calaram e tivemos um momento só nosso senti-me e senti-te. E sim, não é falta de jeito, simplesmente estava a reconhecer-te, a tomar contacto. Olhava-te e sentia. Eu conheço-te. Deves ser parecido com alguém que eu conheço. Tardou, mas veio a memória. Os reencontros. És único na tua singularidade, mas trazes traços. E sim, vou estar cá para descobrir-te e para me ajudares a descobrir-me também.

E momentos assim fazem valer a pena Celebrar! Celebrar cada sorriso, cada riso, cada lágrima.
Como te compreendo também. Assustado com todo o movimento, o choro como o pedido por mimo! Parte de mim, entristeceu-se.Identificou-se com a fragilidade e vulnerabilidade de estar exposto a este mundo. O pedido de mimo, a necessidade de proteção. "Quero estar de pé", dizias tu, na ânsia de observar e recolher o máximo de elementos do mundo à tua volta. Conduzam-me, mostrem-me, quero sentir o que está à minha volta. Quero fazer parte. Mostrem-me.

Parte de mim aceita. Parte de mim celebra. Parte de mim quer cuidar-te, ainda que não pertenças a ninguém. Mas se me permitires acompanhar-te-ei, lado a lado.

Descalçaste-me!

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