A voz

Queria dar voz à voz, pintar-lhe um quadro, dar-lhe cor. Ouvia-a constantemente. Umas vezes em voz grossa e firme, outras em leves sussuros.

Não sabia o que fazer com ela. Umas vezes identificava-se com ela, outras parecia-lhe uma autêntica estranha.

Parecia-se com ela, mas ela não era essa voz. Ou talvez fosse e andasse por aí a parecer ser outra coisa que não a voz que lhe pertencia,  que, por estranhas razões não a reconhecia.

E a voz andava por aí sem corpo a balancear os seus sons ao vento. Talvez o corpo dela andasse por aí mudo, já que não assumia aquela voz que a seguia.

Mas o corpo dela queria retratar essa voz, como que uma ânsia de lhe dar forma. Talvez aí pudesse comparar essa forma à sua. E enquanto isso andavam os dois, o corpo e a voz a caminhar lado a lado, sem que se tocassem, mas desejando-se loucamente. Não podiam viver um sem o outro, mas não se queriam pertencer.

Enquanto isso, seduziam-se subtilmente. Importava sentirem-se presentes um no outro.

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