Apreciar a dor



"Apreciar a dor". Esta frase ficou-me como um bálsamo, como uma realidade muito direta do que se passa todos os dias na nossa vida. E só consigo olhar para a dor no momento em que ela acontece. Tão distante de a poder apreciar, de poder retirar as lições e o que essa dor me fez aprender. Talvez só quando conseguir olhar e vê-la com esse distanciamento é que a poderei libertar e curar.

É ótimo ter uma dor como companheira e fazer coleção de dores, a necessidade de poder nutri-la de poder acarinhá-la e ter pena de mim por carregar tanto tempo essa dor. Essa dor quase que me faz sentir especial. Porque é minha, e só eu é que sei como é que é doer assim.

E todos os dias e em cada momento a dor está ali à espera que a abracemos e que a transportemos para o nosso coração. E aí escolhemos abraçá-la ou agarrá-la e dizer agora ficas aqui um bocadinho, para que te possa prolongar e sofrer.

Ontem tive a oportunidade de assistir a um drama, muito de perto. Tudo está bem, de repente há um acidente e o carro fica todo partido. Ainda não se saber o prognóstico final, mas tudo indica por o carro já ser velho que o destino seja sucata. O carro é para esta pessoa um bem essencial para se deslocar para o trabalho. Como ela, a acidentada diz "o carro são as minhas pernas". O choque do acidente e de ter ficado sem viatura deu abalo e a incerteza de como será amanhã, e a despesa... enfim.... Muitas perguntas vêm ao de cima numa situação inesperada destas. Tudo estava bem e em ordem e de repente surgem as circunstâncias da vida exteriores a nós para lidarmos com elas. Passado o choque, as lágrimas, o desgosto, eis que vem a frase "eu devia agradecer a Deus por estar bem e estar viva e não me ter acontecido nada, não é?" Respondi com um sorriso. A vida tem tantas formas de nos surpreender. Podemos não conseguir perceber os porquês e nem sempre há explicação para o que nos acontece, mas se conseguirmos tirar uma lição, uma compreensão e nos sentirmos gratos por estar vivos, se calhar valeu a pena :)

A dor permite-nos chegar cada vez mais a nós, irmos subraindo coisas de nós, como as camadas da cebola que vão caindo para chegarmos cada vez mais perto do nosso coração, da essência.



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