Des arrumações



Está um dia de sol lindo. E o dia despertou-me às 7h30. Ainda é cedo, dizia eu a contar as horas. 4horas de sono, preciso de descansar mais. Voltei ao sono, e hora a hora o corpo foi marcando o tempo do relógio, ora despertando ora dormindo novamente. Até que tomou coragem para sair da cama e fazer-se à vida. Já não com a mesma despertina com que abriu os olhos pela primeira vez. Estranho. Descansou mais e ainda assim a preguiça ocupou-lhe o corpo. Tanto para fazer... As tarefas da casa, o trabalho do projeto novo, as compras e tudo o que lhe apetece é deixar-se estar. A casa está um pandemónio. Esse é o primeiro passo. Esta semana leu algo que lhe chamou a atenção, desarrumação exterior mostra o teu caos interior. Medo! Esse reflexo e comparação mostra-lhe que se assim for está mesmo um caos. Ah, ah, ah... Casacos pendurados no sofá, malas espalhadas pelas cadeiras, roupa em cima do móvel, livros por todo o lado.... Mas tem a louça lavada, menos mal.  Será está confusão reflexo de toda a sua agitação mental, de todas as coisas que tem em curso. Quem entra cá em casa parece que é uma casa habitada por uma família, cheia de vida. Gosto desse movimento também. Esqueci-me de enumerar os confetis que tenho espalhados pelo chão. Um brinde habitual com que o cão me presentea sempre que pode, sempre que tem a oportunidade de apanhar guardanapos. Ele gosta de colorir a casa e deixar o seu apontamento.

Nada está fora de nós, e tudo o que está fora é parte de nós. Por vezes as interpretações não são tão óbvias como aparentam. Se assim fosse muito do mistério e surpresa da vida se perderiam.  Apenas percebemos uma pequena parte, o resto... Não importa. Não temos de dar significado a tudo, nem compreender tudo. Apenas aceitar.

Olho para mim hoje e tenho dificuldade em reconhecer-me. Cada vez sei menos acerca de quem sou. Não que seja propriamente mau. Recordo-me quando tinha 20 anos, cheia de sonhos e objetivos. Uma lutadora. Nunca fui de cruzar os braços e orgulhava-me de dizer, consigo tudo o que quero, mas sai-me do pêlo. Tinha amigas que me diziam, "tens uma sorte do caraças", e eu ficava ofendidíssima quando me diziam isso, respondendo, a sorte constrói-se, o que consigo é a consequência do meu empenho e do que faço. A partir de certa altura, não sei bem quando aconteceu, mas teria os meus 28 anos, deixei de sonhar, de querer ter coisas, de querer chegar a algum lado. E essa era uma das minhas grandes caraterísticas que me moviam, ambição. Querer ser mais, perfeccionista insaciável.  Durante algum tempo andei revoltada com isso de estabelecer objetivos e sonhos. Sabia lá eu o que era melhor para mim e qual é que era o meu querer. E este vazio deixava-me ao sabor do vento. Receptiva ao que vem. Hoje percebo que não deixei de sonhar ou ter objetivos. Apenas deixei de desejar ter e comecei a desejar ser. E esse tem sido o meu sonho permitir-me ser, conhecer-me, aceitar e ter coragem para ser. É claro que surgem projetos pelo caminho que são sonhos que querem manifestar-se, mas quando chegam começam logo a ser trabalhados, como ok, chegou-me está ideia, vamos lá ver o que posso fazer com ela. E isto faz parte do meu presente, é abordado é alimentado à medida que surge. Tipo, olha um desafio novo, porreiro, vamos a ele.

Lembro-me que nesses 20 anos tinha a ambição de ser alguém importante que fosse reconhecida é conhecida de grandes audiências. Queria ser famosa, portanto, ou algo do género. E lembro-me na altura o fascínio que tinha por palcos. Admirava a coragem daqueles que subiam ao palco e cativavam audiências pela sua sabedoria e eloquência. Para mim era quase uma fantasia poder um dia chegar lá, mas completamente impossível, pois pisar um palco era altamente assustador para mim. Bloqueava e todo o meu pensamento se turvava e claro está que não teria nada de interessante para partilhar. Era um misto de amor, ódio com os palcos e claro não ter conhecimento nem cultura, nem nenhuma especialidade para poder ter algo de inteligente para dizer um dia.

Quando deixei de querer essa fama e reconhecimento... os palcos começaram a aparecer-me na vida. A humildade com que os recebo, a entrega com que me expresso "matou o papão" de falar em público. Claro que há a responsabilidade da expressão, o nervo miudinho de quando se sobe a um palco, mas é um nervo saudável de quem tem brio e quer estar e passar a mensagem da melhor maneira possível.

Hoje tenho noção que partilhar-me com o outro é algo muito intrínseco em mim. A necessidade de partilhar com o exterior o que vai cá dentro. Por agora é assim, talvez amanhã deixe de precisar disso, mas enquanto for respeito, e é giro ir vendo estas evoluções em mim. Sempre escrevi. E quando era miúda o que escrevia era secreto, ninguém podia ler e guardava em envelopes e escondia nos livros os meus tesouros escritos. Tudo vai mudando... E é tão giro!

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