É tempo de deixar ir


Sou levada por uma mão que me conduz. E sem saber bem porquê deixo-me ser conduzida. Por vezes tenho a ilusão de achar que sei para onde quero ir, mas quanto mais sei, mais sei que nada sei. Sei o propósito, a minha motivação, o sonho que me alimenta.

Desconheço o caminho. Apesar de continuar passo a passo a fazê-lo. A cada passo que dou vão-me sendo tiradas coisas.

Parece mau. Mas isso, claro está depende da perspetiva. As perceções vão sendo alteradas. Aquilo que ontem achava importante, hoje já não é. A simplicidade tem sido uma palavra constante neste momento.

Ser feliz e estar preenchida com menos acessórios que só estavam a ocupar espaço nesta mente que se queria alimentada. Não querer nada, simplesmente ser e estar inteira com a minha verdade do momento tem-me trazido tanto. Apenas basta abrir-me e disponibilizar-me. Permitir-me receber o que a vida tem para oferecer. E é tão abundante.

 Hoje li um conto oriental que relatava a questão da reputação. Um mestre muito bom no seu trabalho, mas cuja reputação era colocada em causa pelo comportamento extravagante que insistia em ter. Um dos seus discípulos questionou-o, ao qual ele responde, a reputação é o visitante, ela vai e vem, a uns é-lhes inspirada e a outros não, o que importa é o que permanece em mim, se não gostam podem ir com outro mentor.

 Este conto fez-me pensar e sentir que o que sinto cada vez mais na pele que visto, é que não sou o visitante, por mais comportamentos que possa ter, que vão mudando constantemente, há algo mais que permanece em mim e que cada vez mais estou desprendida do julgamento exterior.

 E para completar o final da semana depois de tanta coisa, trabalho, desafios e o sabor de missão cumprida, muita energia, dedicação, amor, cansaço sou recompensada com a entrega, a confiança, a partilha e o deixar-me ir... Massagem, corpo, movimento, envolvimento, expressão corporal, rendição ao outro. E o permitir-me ir neste encontro com o desconhecido lavou-me o corpo e alma. Encontros marcados há muito, mas que só hoje arranjaram lugar e hora para se manifestarem é para estabelecer a dita troca. Para que me possa reencontrar em cada esquina, sorrir e amar.

 E no sentido literal da esquina de uma rua qualquer, no outro dia, é u parada na rua, passa por mim uma senhora que vinha a sorrir para o seu telemóvel caminhando rua acima. E eu ali parada, acabando de desligar uma chamada, ao que a dita senhora começa a falar comigo em tom de desabafo, há 20 anos que não sorria com os dentes. Acabei de sair do dentista com os meus novos dentes e venho-me apreciando. Agora tenho de tirar umas selfies. Nota-se as rugas, mas ganhei um sorriso.

E estes breves minutos de troca de palavras encheram o meu mundo e o mundo dela. Apenas lhe confirmei, tem um sorriso lindo! E está partilha tão simples iluminou-me. Sentir a alegria e a satisfação daquele sorriso novo...não tem palavras.

Posso amanhã voltar a cruzar-me com esta senhora, provavelmente não me lembrarei do seu rosto, mas aquele sorriso e alegria de criança ficaram gravados em mim. E no fim o que importa não é o que se perde, serão sempre os acessórios. Importa o que fica. Será sempre para além do vísivel e da pele que vestimos.

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