As mulheres da minha vida


Entre estórias contadas e recontadas, recortes foram ficando, os meus registos.
Quatro irmãs e um irmão, na Mina de São Domingos, já lá vão mais de 90 anos. Ela era a menina do meio entre duas irmãs mais velhas e dois irmãos mais novos. Duas guerras mundiais, mas por lá a pobreza não passou. Ingleses exploravam aquelas minas, e todo um sistema de cooperativa estava montado para que a população que lá vivia pudesse subsistir. O trabalho nas minas era árduo. Os homens por lá trabalhavam, e as mulheres ficavam em casa a cuidar da lida doméstica e do campo. O pão era amassado todas as semanas, e as garotas adoravam ajudar a mãe. Desde cedo que aprenderam as lides da casa e que ajudavam a mãe. Ela era doce e compassiva para com os filhos. Mas alvo de inveja das vizinhas, que nesses tempos eram dadas a feitiçarias para que a paz não prevalecesse. O tio Chico era o curandeiro sempre atento que acudia à vizinhança para desmanchar estas proezas e maleitas da população.

A menina Antónia assistia ao que se passava, via as feitiçarias, às ditas das vizinhas à noite a entrarem pelo postigo. Quando a irmã mais nova nascera, dava voltas no berço, não comia e só chorava, não conseguiam fazer nada dela até que o tio Chico é chamado e vai dar com um rato na panela às voltas. As voltas que o rato dava eram as voltas que a bébé dava no berço. Eram tempos de que os pratos se serviam frios, as mezinhas, as plantas medicinais eram usadas.

E Antónia foi crescendo, magra, sempre sem apetite e chega ali à adolescência cai na cama. Perdera a força nas pernas. Vai a todos os médicos e nada. Até que se percebe que tinha sido alvo de mais um trabalho. O tio Chico lá lhe acode e mete-a a andar. Os tempos andavam difíceis e chegara o tempo de começar a trabalhar. É-lhe arranjado um trabalho na casa de uma senhora, e lá vem ela para o Algarve, servir. Aí, fora da vizinhança que estava constantemente a amaldiçá-la começa a ganhar apetite e formas de mulher. Já não era mais a menina franzina e começou a fortalecer-se. De vez em quando ia à terra e a sua condição física era abençoada. Já se estava a afeiçoar aos Algarves e quando recebe a notícia da morte da mãe que numa tarde de calor se engasga e que dá as últimas respirações, a terra de nascença deixara de lhe fazer sentido e disse-lhe adeus para nunca mais lá voltar.

Acabou por se casar tarde e ser mãe de dois filhos. A maternidade foi um choque para ela. Quando vê a sua filha pela primeira vez após o parto tenta sufocá-la com uma almofada. Uma vida de muito trabalho e luta, mas amou e acarinhou a filha e o filho que veio mais tarde. Já mãe perto dos 40, a vida trouxe-lhe uma saúde frágil e tem de deixar de trabalhar cedo, com reforma antecipada. O problema nos olhos e as pernas frágeis dificultarem-lhe a caminhada. Artroses, gota enchiam-lhe as pernas de líquido e inchaço. Mas a força, essa sempre a manteve forte e desperta para lidar com as intempéries da vida. Para criar dois netos e continuar a tomar conta dos filhos que sempre estiveram na sua alçada. Agora aos 93, ainda que a saúde seja frágil, a lucidez e a força mantém-na a cumprir e fazer a sua vontade.

Dos 4 irmãos é a única que se encontra viva. Já enterrou o marido e o filho, mas também já viu entar no mundo mais um bisneto que lhe arranca sorrisos e que a faz brincar, numa dinâmica que só os dois partilham, muito deles.

E agora que a vida vai longa vêm as memórias de infância. A doce mãe amorosa e de uma avó que nunca conhecera nem ouvira falar, mas que imagina na sua memória como uma mulher forte, uma sábia que semeava a terra, que manuseava as plantas e as usava para curar e trazer saúde aos seus. Não se sabe de que terras viria, desconhece-se as suas raízes, mas que era um mágica e que muito à frente para o seu tempo. Dançava nos campos, a sua beleza irradiava não só pela sua bondade, mas pela beleza física que enfeitaçava os homens. Só tivera uma filha que temia pela irreverência da mãe e se escondeu nos véus da maternidade e do homem bom e trabalhador. Não sentia a mesma força e brilho da mãe que encarava tudo e todos.  Sabe-se que morreu ainda jovem... Que numa noite de lua cheia desaparecera no horizonte montada num cavalo branco.

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