A passagem

A vida é o eterno movimento. É respiração que inspira e expira, é ritmo, é som. Há uma missão a cumprir, um curso sem diplomas, uma escola que nos ensina, que nos traz dores e anseios que por vezes nos atira ao chão, outras faz-nos celebrar.

Qual o sentido? É a pergunta que muitas vezes nos fazemos ao longo do caminho. O que está para lá da vida. Caminhamos e caminhamos e sabemos que há um desfecho inevitável, a morte. Ainda que possamos numa só vida morrer várias vezes, há aquela morte que é física, o último sopro.

Aquele último sopro que abandona o corpo físico, que se desapega. É a alma a despedir-se do corpo que insuflou, deixa a carne e os ossos, as memórias da sua cruz aqui terrena e faz a passagem. Cumpriu o seu papel aqui, as suas aprendizagens e cumpre o movimento se se renovar, de renascer noutra dimensão, numa nova forma.

É de uma grande coragem esse desapego de um corpo que sustentou essa alma, que foi sua morada durante uma série de anos, é uma despedida longa e sentida para que perceba que não resta mais nada senão despedir-se e partir. Quem fica vai sentir saudades, vai ter dificuldade em largar, pois prende-se à matéria, às histórias, às memórias. E o entendimento é que tudo é uma passagem, o aprendizado fica sempre, as memórias, a presença. Apenas mudou de forma e de estado.

A morte é também uma celebração a quem se cumpriu, que fez a sua parte e se preparou para uma nova etapa, um novo estágio e ascender a outros reinos. Que a passagem seja pacífica.

Foste gentilmente preparada, apoiada para que a tua partida se fizesse em paz. Preparaste os que cá deixaste e preparaste-te lentamente. Foste abandonando a pouco e pouco o teu corpo, jejuando, tornando o corpo mais leve, um regressar à infância e ao estágio de bebé. O fim aproxima-se de um início, um eterno retorno. Agora sem o peso dos ossos e o incómodo do corpo preso à matéria podes voar.

Vou voltar a encontrar-te? Sempre. Estás na minha pele, nas minhas células, nos meus osso,impregnada de ti. Ambas sabemos que estamos sempre em contacto, que estamos presentes e nos comunicamos sempre que quisermos. Ambas estamos recetivas.


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