O meu humano reverencia o teu humano

O humano que há em mim reverencia o humano que há em ti.

É claro que somos mais do que a parte humana presa na matéria. Somos seres espirituais a viver uma experiência humana. E é essa experiência humana, esse lado humano que habita em nós que reverencio - o meu, o teu, o dele... Todos.

É preciso recordar que somos mais do que... Que há uma essência que tudo abraça, que é presença e amor, mas também é preciso honrar o humano que nos habita. a dualidade, a polaridade, que tanto nos desconforta como conforta.

Quanto apontamos o dedo ou mesmo constatamos as desgraças e misérias do mundo, a corrupção, a violência, a poluição, os crimes ecológicos que  humanidade comete contra a natureza, o abuso de poder, entre tanta coisa que a polaridade nos brinda.

Só posso reverenciar o humano que me mostra a sua imperfeição e dualidade, pois relembra-me da minha própria enquanto humana. Permite-me responsabilizar pela vida que sou, sendo que como sou mais do que a forma humana que visto nesta encarnação, também sou responsável pelo humano que reverencio, pois é também parte de mim, nesta consciência que é una é que está em vários estágios em simultâneo, já que espaço e tempo não são lineares, conforme nossa mente limitada nos leva a crer.

Ontem, nas minhas pesquisas à procura de um filme, Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago, no YouTube dei por mim, não a encontrar esse filme, mas outro, o de Ghandi, que retrata a sua morte. Pois bem, estes acasos, de achar que ando à procura de uma coisa e encontrar outra diferente, mas exatamente com o que é preciso receber.

E é extraordinária a rendição de Ghandi à vida, ao presente. O destino quase que estava traçado em linhas gordas, "vais para a tua apresentação a público e morres". Todos ao seu redor tentaram demovê-la da sua aparição em público. E ele pacificamente caminhou para honrar o compromisso de se apresentar. O princípio da não-violência, ele vai para junto da população, acompanhado das suas netas, sendo humano junto de humanos, reverenciando-os. E diz uma frase lindíssima, se eu morrer é porque falhei como humano e no princípio da não-violência. Aceito pagar o preço. Ainda que os seguranças o tivessem tentado demover, invocando a sua importância enquanto líder da paz, ele na sua simplicidade, apenas responde que não é ele, cada um tem essa capacidade e poder. Não é ele, somos nós. Ele é uma gota.

E sim uma gota contagia as outras todas. E sabemos que neste contágio temos a paz e a guerra. Quanto mais gotas de paz se juntam ao oceano mais contagiam esse universo, limpando a violência. Cabe à consciência que habita em nós comunicar com o humano e torná-lo farol de luz.

Ghandi no momento em que é baleado diz ao assassino, "eu te abençoo, eu te perdoo". Palavras estas suficientes para libertarem da raiva e dor que moravam no coração do assassino. E a resposta dos milhares de pessoas foi de reverenciarem o seu mestre Ghandi.

Quantos de nós humanos, na fragilidade da carne não conseguimos ter a humildade para reverenciar o outro humano com estas palavras tão solenes e sagradas. Porque no fundo "eu reconheço-me no outro humano, que me mostra a minha fragilidade e imperfeição, e só posso abençoar, aceitar e integrar, perdoando e amando".

E a seguir a este filme, recordo que não precisava de procurar mais o filme do Ensaio sobre a Cegueira. Tinha o Dvd na prateleira da estante.

Contrastes. Entre a ignorância que nos leva a agir pelo instinto da sobrevivência, a tal cegueira que todos nós temos em nós quer por momentos, quer em modo corrente de vida, enquanto não sabemos diferente ou não queremos saber fazer diferente. E a consciência da visão que guia, orienta e tudo vê, mas como também ela é dura e pesada, pois a tudo assiste, sem poder interferir. E quando intervém também mata, aceitando a dor da Cruz que carrega de ver. Pacífica-se e aceita que vê, aceitando liderar os que não vêem. A libertação da prisão para as ruas, ao encontro da casa. A consciência. E a visão começa a pouco e pouco a ser devolvida aos cegos, com uma nova intensidade e clareza. Já nada ficara como antes, mas também o receio mora nas mentes, pois que a consciência, visão, traz responsabilidade. Deixarás de ser guiado, para guiar o teu próprio caminho. E o humano com a noção da polaridade, do escuro para a luz tem profunda consciência da sua fragilidade e que é falível.

Só posso aceitar o humano que habito e os humanos que me habitam através do mundo que aceitei coahabitar para que a essência se faça presente a todo o momento. Eu abençoo, eu perdoo. Eu amo-vos.

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