Quando o convite é o silêncio

Há tanto barulho lá fora. Tanta coisa para fazer, que pouco tempo resta para parar, descansar e permitir que o silêncio se apresente.

Mas ainda assim o convite é-te feito, para que páres e te silencies. Há uma parte que até quer descansar, há outra que tem medo de parar. Isto de ficar a sós num encontro tão íntimo com a pessoa mais importante da tua vida tem qualquer coisa fascinante e ao mesmo tempo assustador. E afinal o que é que mais se teme? Os pensamentos que possam escorrer da mente, as emoções que possam querer libertar-se? Teme-se que more algures um monstro dentro de ti e que te possas assustar?

Assisto e também em tempos também fui brindada com o convite de pára e silencia e fiz ouvidos mocos, e claro a vida brindou-me com a doença para que tivesse um motivo para parar, para permitir que o silêncio entrasse e o pudesse escutar. Aprendi a lição e agora quando o convite me bate à porta escuto-o e quando por vezes não me apetece ouvi-lo à primeira, assisto à vida a brincar comigo, a desmarcar-me os planos, a brincar com a minha agenda, a alterar-me horários de acordar e de adormecer.

Arranjam-se as desculpas que agora não é o tempo ideal, que é necessário estar a fazer outra coisa qualquer.

A não ação é algo que incomoda, por se achar que não há uma utilidade visível, palpável nisso. E é tempo que passa, que se investe nesta não ação, e as outras coisas ficam ali por fazer à espera que haja tempo para elas. E o que é certo é que há.

É no silêncio que nos ligamos à nossa presença mais pura, ao único momento que existe, o presente. Aí restabelecemos, regeneramos e estamos em paz. É claro que para chegar ao silêncio temos de passar pelo umbral da mente, que descarrega as suas memórias com as preocupações de momento viajando entre passado e futuro, e vêm pensamentos atrás de pensamentos fazendo o seu jogo de sedução, olha para mim, como sou importante, agarra-me, deixa-me possuir-te, prometo amar-te, ahhh. E aí veres o jogo que a mente te provoca evocando-te emoções intensas para chamar a tua atenção. E tu ires passando, acedendo, dialogando, limpando e transformando sempre que te sentes envolvido nesse " flirt romântico" que vem e integrando, estudando e aprendendo lições.

É do caos que nasce a obra. E entre o caos e o nascimento vem o vazio, o silêncio tranquilo de que se sabe que algo virá mas ainda não se consegue adivinhar... E aproveitar este intervalo para apreciar, desfrutar da caminhada.

Olho para a liberdade de uma criança de 3 anos que ri, brinca e salta na sua espontaneidade, está presente no seu momento e tontearia. Vai porque quer e quando quer, diz prontamente não quando não lhe apetece e faz birra quando lhe tentam pôr ordem, regras ou a fazer algo que não quer. Mas vai com a sua vontade de ir, sem capas. Ela vai experimenta, e quando vê outras crianças lá vai ter com elas como se fossem já amigas. Não precisa de apresentações, nem nome, nem idade, nem importa o género, simplesmente mistura-se, integra-se e quando os adultos dizem agora despede-te, dá um beijinho ou abraço, lá vai ela de peito aberto para os beijos na boca e abraços, independente do género. É puro, inocente, genuíno, reconhecem-se a empatia dos gestos é síncrona.

A criança ainda nestas tenras idades não tem filtros, os adultos é que vão começando a orientar nesta fase os procedimentos em concordância com o meio onde estão, e os princípios do certo e errado, o sim e o não. E o quanto do adulto esqueceu este estado puro de entrega total à descoberta, à vida e esta alegria de gargalhadas boas por tudo e por nada?

Será deste estado que nos intervalos entre cada inspiração e expiração nos devemos ligar. É aí que a vida acontece. A presença real de que só existe este momento presente simplesmente perfeito e que traz consciência e entendimento para o desenrolar do caminho.

Hoje foi dia de andar a pé. Deambulei pela cidade a tratar dos meus afazeres, contactando com diversas pessoas e meios, entre assuntos todos eles muito diferentes entre si. Percorri a cidade literalmente de uma ponta a outra. Só quando estava de regresso a casa a poucos minutos de distância é que tive a real perceção das horas e do tempo. Saíra de casa às 11h30 e já eram 18h. Ainda nem tinha almoçado e estava tão cheia de mim e presente que nem tinha ponta de cansaço nem fome, alimentei-me a água, a companheira de caminho. E claro, comi quando cheguei, mas nem muito nem pouco, o suficiente, porque na realidade estava bem. E fecho o dia de rua a andar de escorrega e de baloiço no parque com o sobrinho, a contar histórias e a tocar instrumentos musicais com ele e a ver bonecos animados.

E apesar de acompanhada foi dia de silêncio, de estar apenas em cada momento, a apreciar, a estar em união com o essencial.

Quando o convite é o silêncio, recebe-o de braços abertos sob as formas que ele se apresentar, para que possas escutá-lo e receber as mensagens que tem para te entregar 😉

Comentários

  1. Viver no silêncio ou na inatividade é transforma-se numa taça pronta para receber o que a vida tem destinada para te dar. Não precisas correr atrás do que pensas que poderá ser ou achas que deveria ter sido. Apenas aceitar com amor e felicidade o que é.

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