Papéis invertidos

Olho para o Fofis, senhor meu cão, que me escolheu para sua cuidadora no dia 21 de agosto de 2012, e eu como se não quisesse reparar nele, pois tinha outro foco, o cãozinho preto tímido que se escondia e encolhia e eu tentando aproximar-me para lhe chamar a atenção e o Fofis numa urgência desalmada para me chamar a atenção trepava por cima dos seus manos para chegar até mim e pulava para o colo e dava beijinhos. Não havia como não vê-lo e eu insistia no meu olhar por aquele que achava que iria ser o meu novo menino. Mas tive de me render às evidências, assim que dei atenção a este reguila, não consegui largá-lo mais. Foi amor à primeira vista, quando me permiti olhá-lo e abrir os braços para ele. Quis a vida que fôssemos companheiros, que nos cuidássemos ambos.

Já lá vão 4 anos, de muitas descobertas, cumplicidades e todos os dias aprendo com ele.

E aqui, olhando-o, inspira-me para este título. Entre cão e humano, os papéis que se esperam, e entre pessoas numa sociedade com regras de conduta, o que é esperado e o que é na prática.

A expetativa entre o certo e o errado e os papéis esperados. A queda da ilusão quando o resultado não corresponde ao esperado.

Mas é também esta ilusão que alimenta o sonho, o esperar melhor, o semear bons frutos, o preparar-se para algo. Espera o melhor, prepara-te para o melhor, mas não te agarres, liberta, para que quando a colheita vier, possas saboreá-la de acordo com o que vem, sem as amarras do que a mente possa ter criado.

Quando te libertas da expetativa atribuída aos papéis deixa de haver catalogação. Já não são invertidos, são apenas papéis. E cada um, na roda da vida desempenha o seu, dando o contributo necessário para que a evolução aconteça.

O Sr. meu cão mostra-me a liberdade, a autenticidade de ser, de acordo com a sua vontade. E talvez eu lhe permita também essa espontaneadade ao não lhe impor regras. Nem sempre é fácil gerir este relacionamento, pois por vezes tento impor-lhe algumas momentaneamente, porque me dá jeito e claro, ele não as aceita. Desafia-me. Foi o combinado, e também ele fala de mim.

E quando entre pessoas sentimos a questão de papéis invertidos? A filha que desempenha papel de mãe para a mãe ou nas relações amorosas que nos vimos a desempenhar por vezes tantos papéis e não aquele que inicialmente tínhamos expetado.

Temos o que precisamos a cada momento, às vezes a exercer o papel de cuidador, outras a ser cuidado. Em ambos os papéis que se vão entrecruzando vamos aprendendo, recebendo e dando lições. Somos os eternos professores e alunos nesta escola da vida. E vamos despindo papéis para encarnar outros, desapegando e mudando a pele tantas vezes como a serpente que se arrasta e esfrega o corpo na terra para arrancar a pele e dar lugar a uma nova.

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