A força oculta da perda

Sempre ouvi dizer que o ser humano não gosta de perder nem mesmo a feijões. E a vida continuamente mostra que esta crença está bem ativa no nosso sistema neurológico. Apegamo-nos a coisas, pessoas, hábitos, vícios.

Uma das situações que constantemente nos deparamos, principalmente mulheres, o perder peso. Há uma luta constante entre o querer perder peso e a dificuldade em fechar a boca. Já dei por mim a tomar a decisão de fazer dieta e dizer começo hoje. E ser deparada com um acesso de apetite desenfreado, como se uma espécie de despertador interno que diz, "vai faltar comida, portanto tens de comer tudo o quanto possas, porque a ordem dada foi, vais deixar de poder comer o que comias antes". E a mente começa a "sofrer" por antecipação e a criar cenários de carência. A consequência é o aumento do apetite que vai estar presente até ser saciado, gerando frustração se não for saciado e frustração se for saciado, pois não se está a cumprir o tal plano de dieta. Isto acontece porque a nossa mente tem dificuldade em lidar com a perda, há uma espécie de pertença ao hábito do que é e encarar o desafio, o cabo das tormentas para essa mudança. Implica que uma parte de nós tem de morrer, para que um novo ser possa renascer. É recorrer ao efeito desejado como força motriz para que ainda que o caminho possa ser desconhecido há um resultado a alcançar.

Sempre que há mudança, há desconforto. É novidade e tem de se integrar no nosso sistema de hábitos.

Quantos de nós já não passámos por várias perdas e que achámos no momento que seria o fim do mundo, que não sobreviveríamos? Um final de um relacionamento amoroso, que mesmo que seja por iniciativa do próprio traz em si um vazio, uma morte, um recomeço. Um trabalho que se perde, a procura de um novo. Todo o sistema nervoso se mobiliza para um começar de novo, para voltar a aprender, para encaixar, e provar que é bom trabalhador. E quando a inevitabilidade da vida nos tira um ente querido? Aquela pessoa que era um suporte, uma presença importante em nossa vida?

O sentimento de perda mexe diretamente com o nosso senso de segurança, de pertença e suporte. Ali era conhecido, confortável. Mesmo quando há perda de bens materiais e dinheiro também essa significação está presente, de agora estou "menos seguro".

Gosto de dizer que temos tudo o que precisamos no momento, ainda que por vezes não seja exatamente o que queremos. E quando a vida nos apresenta momentos de "perda" está a dar-nos a oportunidade de ressignificarmos a forma como percecionamos a vida à nossa volta e ampliar a consciência sobre nós. São os "presentes" que a vida nos dá para nos resgatarmos e amarmos mais melhor a pessoa que somos. Claro que no momento em que tais eventos acontecem dores são acordadas e despertadas para que possamos tratar e curar. Por vezes só queremos que passe rápido e enfiar a cabeça num buraquinho e fazer de contas que não vemos. E aí entramos em modo resistência e acumulamos mais dor e sofrimento. E todas estas aprendizagens fazem parte do caminho até que possamos tratar-nos melhor e alterar padrões e começarmos a responsabilizarmo-nos por quem somos. Só aí começamos verdadeiramente a cuidar de nós.

Gosto muito da frase "menos é mais", a teoria do simplificar, relativizar. E a vida é um processo de subtração, irmos deixando cair máscaras, barreiras à medida que vamos confiando na vida, para mostrarmos a nossa expressão e agir de acordo com a nossa essência. E o giro é que nascemos, crescemos e vamos adicionando idade, numa primeira fase acumulamos, porque temos a necessidade de mostrar e afirmar conhecimento, posses, o "nosso património" e à medida que os anos passam começamos a subtrair, a simplificar, a "perder" vitalidade, memória, a pele firme, cabelo... e aproximamo-nos da origem, voltar a ficar dependentes de terceiros, o corpo mirra, os órgãos começam a falir, com o desgaste do tempo. A experiência de vida torna as pessoas mais sábias e simples, por vezes mais desbocadas. Já não estão preocupadas com as máscaras sociais, dizem o que pensam e fazem o que lhes apetece independentemente de poderem ser apreciadas ou não por tais comportamentos. Ganhamos idade e "perdemos" juntamente uma série de coisas.

A perda é algo inevitável e subjacente à condição do ser humano e ainda assim há uma resistência que se aliena à mente que a recusa. E quando tomamos consciência de que a perda é fundamental nas nossas vidas, é obrigatória para que possamos crescer e transformar, subtrair o que já não serve, começamos a resignificar, a apreciar e aceitar a grande força que a perda traz consigo, o grande potencial transformador. Uma árvore antes de dar fruto dá flor. A mesma tem de cair para dar lugar ao fruto. E quando este atinge o seu estágio de maturidade cai da árvore. É o ciclo de perder para ganhar, que se vai repetindo continuamente nas nossas vidas em estágios sempre diferentes. Florbela Espanca  diz algures num verso de um poema "Que me saiba perder... pra me encontrar..." (poema Amar! in Charneca em Flor).

Que eu saiba integrar a força oculta que a perda traz à minha vida para me encontrar cada vez mais e simplificar o caminho.

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