Em contagem decrescente

Em contagem decrescente... Os anos somam-se e a vida vai esgotando-se. É a inevitabilidade da vida.
Olho para trás e revejo as memórias, as conquistas desejadas, os sonhos, os "tenho que", "quero", "quando tiver, poderei ser, fazer"...

E quando a vida te brinda com o alcance desses objetivos, a mente apressa-se a criar outros, pois que não suporta espaços vazios. E a correria torna-se constante, por "conquistar o ainda inalcançado". E no meio desta ânsia resta muito pouco para saborear o presente. Há uma viagem constante entre passado e futuro e muito pouca presença no aqui e agora.

Há alguns anos atrás zanguei-me com os "objetivos", cansei-me de lutar comigo para provar que era capaz. Andei no "não sei" e "não quero nada". Mas escondia inconscientemente a vontade por mais, algo que não sabia descrever, mas que sentia querer, teria de haver algo. No fundo queria que a vida tivesse significado, fosse importante e para tal teria de ter destaque, ser especial a fazer qualquer coisa. Havia secretamente o desejo de palco, mas dizia-o baixinho, para que não pudesse parecer aos olhos dos outros arrogante.

E a vida vai-nos despindo e pondo-nos de frente para nós mesmos, para que nos revelemos. E percebi que era eu que tinha de ser especial para mim, tinha de me ter, de me celebrar e amar no pacote inteiro. E para isso tive de largar a fortaleza da super mulher sempre alegre e contente, sempre pronta para qualquer batalha e para ajudar os mais aflitos. Tinha de me alimentar de mim.

Foi olhar para a menina e mulher frágil, permitir que chorasse, que revelasse as suas fragilidades, que tinha direito a sentir-se insegura, com medo, chorar, gritar e que isso não a diminuía, aliás tornava-a mais forte e humana. E começou a abraçar-se e amar-se melhor, a dar-lhe colo, a desenvolver uma relação de cumplicidade consigo mesma, a ouvir-se e nutrir-se. Não tinha de ser perfeita, apenas ser a cada momento o melhor que conseguia ser e a perdoar-se quando por qualquer motivo se culpava ainda.

Chegou a ter medo de poder ser destruída, até que começou a ampliar a sua perceção e perceber que a destruição é necessária. Do caos surge a ordem e para que se possa criar o novo, é preciso largar o velho, desapegar.

Hoje caminha mais leve e livre. Cheia de si mesma, da vontade de continuar a caminhar e a descobrir o mundo pelos seus próprios pés. Vai de mãos vazias e coração aberto para dar e receber. Nada é pessoal, tudo são oportunidades para se servir a si mesma e reencontrar mais amor.

Não há lugar nenhum onde chegar, nem nada a alcançar, apenas desfrutar as experiências que a vida vai oferecendo. Nada nos pertence, tudo é temporário, que possamos cuidar com o nosso maior amor,  sem possuir ou deixar-nos possuir.

Comentários