Recordando





O que esperar? Sim, porque nós sempre esperamos.... Estamos condenados a desiludir-nos sempre que esperamos, chama-se expetativa.

Ela permite-nos criar, dar asas à imaginação, construir cenários, mas sempre que nos apegamos corremos o risco de nos desapontar.

Costumo usar a expressão "a beleza está nos olhos de quem vê", e sempre procuro por essa beleza, sempre que encontro outro ser humano. Confesso que às vezes não é fácil, pois tenho de cavar fundo para poder encontrar. O que mantém o meu acreditar desperto é que sempre encontro no outro essa luzinha que brilha e que tudo o que busca é um pouco de amor, muitas vezes disfarçado de raiva e medo.

Há tantos episódios que assisto e tu provavelmente também de comportamentos cruéis, que magoam outros, de injustiça e fealdade. E eu choro por dentro, pois uma parte de mim mora também nessa dor. A incoerência do parecer e ser, o manipular o amor do outro para satisfazer os seus próprios interesses. Usar uma criança para manter o jogo do dar e receber. O vício que se quer saciado e que obriga a mendigar cêntimos. O negócio que se quer fechado a qualquer custo e manobras, mais manobras para que aconteça. Passa-se por cima de quem se tiver que passar. O trabalho dos outros que é explorado,sem consideração pelo serviço prestado. O valor que se tem e a valorização que se dá. O dito e o não dito. O que é calado e reprimido. E os gritos gritados em modo repetido para que a voz seja ouvida. E o cão que salta, morde e destrói tudo o que apanha, porque sente que não lhe prestam atenção.

E tudo se resume a Amor. Temos sede de amor e afecto, de sermos acolhidos, de nos sentirmos seguros e protegidos. E o mundo lá fora parece tão frágil. E vai continuar a parecer enquanto não nos dermos o que precisamos e enquanto ficarmos à mercê que nos dêem migalhas.

O pote de ouro no fim do arco íris não está no euromilhões, no príncipe encantado que está por vir, na casa, no carro, na viagem de sonho. Tudo isso é passageiro, efémero. Procura mais um pouco... e vai para dentro de ti. Aí tens a fonte de água abundante e luz cristalina. Não precisas de nada para lá chegar, apenas de ti, a tua presença e amor. Já dizia o Principezinho, o "essencial é invisível aos olhos". Costuma-se dizer que temos um olho cego em relação a nós. Percebemo-nos através das dinâmicas relacionais, do que os outros nos dizem acerca de nós. E a partir daí vamos construindo e modelando aquilo que funciona bem e o menos bem e vamos adaptando à nossa conduta para garantir que somos bem recebidos e sucedidos nas relações. Tanto que por vezes nos distanciamos de quem somos e o que nos faz bem. Levamos tão a sério a peça de teatro que nos tornamos teatro.

E o trabalho... sim trabalho, porque levámos anos e anos a vestir capas, é despir as camadas de roupa que trazemos para que possamos caminhar mais leves e íntegros, em amor e respeito por quem somos. São tantas as estruturas que temos dentro que quando achamos que começámos a libertar umas vêm outras para nos mostrar que ainda há caminho pela frente a ser percorrido. E por vezes libertamos determinadas caixas e arranjamos outras num formato diferente apenas para substituir. E aí, ganhamos duplo trabalho, desfazer mais caixas.

Há desconforto caminhar no vazio, só na presença do agora, sem mais onde agarrar. A securização vem da abertura à vida, de aceitar tudo o que é, como o presente mais esperado para que as aprendizagens ocorram. E vai firmando-se a confiança interna e inabalável que te tens e que amas, porque és amor e tudo é. Mesmo quando tudo o que te sabem mostrar é o contrário. É nesse contrário que também te consegues ver o quanto amas. Podendo esse amor significar um abraço ou um não.

E continuo... não a esperar, mas a trabalhar no amor que tenho dentro para que ele floresça e irradie. Acredito que ao brilhar, possa inspirar a que os outros recordem o seu brilho. Nada espero, apenas vou recordando-me.




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