Romeu e Julieta

Estavam ambos em busca do amor. Julieta era romântica e no seu íntimo buscava um salvador. Romeu procurava a parceira ideal que correspondesse à sua definição muito própria de amor. Ambos exploravam a vida através dos prazeres sensoriais, curiosos e aventureiros por aí viajavam, explorando. Até que um dia escorregaram sem querer na pele um do outro.

Não se apreciaram antes, não se conheceram, esbarraram como uma inevitabilidade, um magnetismo que os colou sem que tivessem pedido licença um ao outro.

Na minha pele encontro a tua pele, observou Julieta.
E ela falava-lhe numa linguagem que não cabe em palavras, mas que despertava a sensorialidade do cheiro, do tacto, do movimento. Todo um desabrochar acontecia como o de uma flor que abre simplesmente para brilhar e receber a luz do sol.

Deixava de haver o eu e o tu e apenas um organismo vivo que respirava o mesmo ar, num ritmo complementar, onde é criada uma música e dança singular. Aqui os corpos reconheciam-se e ligavam-se. Transformavam-se e viviam por instantes uma fusão intensa que despoletava toda uma explosão de fogo de artifício.

E extenuados os corpos regressavam a pouco e pouco à sua individualidade separada, deixando na pele a suavidade e o relaxamento de uma viagem por dimensões distantes.

Ela olhava-o nos olhos por instantes, reconhecia os olhos brilhantes de Romeu como de um menino índio, repletos de inocência e simplicidade.

Já nos devemos ter cruzado,  diziam os olhares de ambos.
O olhar de Romeu  dir-lhe-ia que simplesmente permaneceria assim para sempre. Deixa-me tocar, para me sentir assim ligado, quieto, imóvel, continuariam assim a falar os seus olhos se proferissem palavras. A presença bastava  para que ele se sentisse  em casa, confortável e aceite exatamente como éra.

Mas os olhos de Julieta  mostravam mais curiosidade.
- Quem és tu, que me tocas desta forma?" Mostra-te, pede ela.

E o menino de olhos de índio depressa se desassossega e se rebela. É selvagem e tem medo de enredar nos mistérios da sensualidade. Ela é demasiado intensa e profunda e ele pode  perder o seu controlo.

Ele tem medo de sentir, e ela sente de forma profunda. Refugia-se no intelecto, a armadura perfeita para tudo explicar. Tem de ter matéria e ser concreto, entendível pela mente.

E como se explica a complementaridade e fusão de 2 corpos físicos em 2 pessoas dissonantes na sua forma de se expressar e apreciar a vida? Não que os seus gostos sejam assim tão díspares, apenas a sua forma de percepcioná-los.

Ela partilha usando as experiências, fala na 1ª pessoa, ele fala por definições e na 3ª pessoa. Ele usa a métrica da construção, a simetria, como são feitos os sons, ela descreve como os sente. Ela intui, ele conhece. E na oposição cria-se a complementaridade dos corpos que falam a linguagem universal, que a mente não consegue explicar nem a emoção consegue ligar.

Respeitam-se no silêncio, pois não há nada para explicar ou sentir. Não se encaixa no padrão do conhecido, não há referências e isso incomoda a ambos, pois não têm nada a que se agarrar para justificar a ligação que acontece: E nesse incómodo gera-se um conflito interno, uma parte que aceita  o que é e outra que cria obstáculos, que se assusta por tamanha incompatibilidade de linguagens. Têm de ser criadas pontes entre as pessoas para que a fusão possa crescer, para que os códigos de ambos possam ser trabalhados e acrescentados no mundo de cada um, acrescentando-os e fazendo-os evoluit como seres humanos melhores.

Os corpos já se despiram, as almas já iniciaram a dança, estarão prontos para despirem a alma e partilharem-na? Só assim se entra na intimidade que vai para além de 2 corpos nús... ambos estão sedentos por aprender, mas na memória reside lembranças de apego e liberdade perdida, e como relacionar implica uma negociação constante entre o respeito pela minha vontade e a do outro, um jogo de equilíbrios, dá trabalho. Exige cooperação, atenção e nutrição. E permitir que o outro mergulhe na vulnerabilidade e no íntimo do ser, é uma viagem sem retorno que transformará profundamente a ambos. É um salto no desconhecido que uma parte anseia por dar e outra não quer de todo por não ter como adivinhar e controlar o que daí possa nascer.

Romeu e Julieta estavam condenados à morte e renegavam essa inevitabilidade na contínua busca de procurar e encontrar para depois tornar a encontrar, pois que a construção que cada um tinha do amor eram ilusões que precisavam morrer para que pudessem renascer de uma forma nova. E ambos recusavam morrer para a sua busca, criando muros cada vez mais altos e quando se pareciam aproximar e algum risco de intimidade acontecia, rapidamente reforçavam as muralhas e os corpos ressentiam a frieza da pedra.

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