Embate

Quando há algo dentro de ti que sem motivo aparente pede para ser olhado e cuidado. Ficas com o tema, começa até a chegar alguma informação, mas até começar a cuidar leva algum tempo.
Até que pautadamente começas a olhar e prestar atenção, começas a trabalhar, porque algo em ti intuiu que devia fazê-lo, sem a tomada de consciência real.

E se algo dentro te leva a começar a fazer, a atuar para tomar consistência precisa de ter mais informação, que vai sendo dada momento a momento. E ainda assim, quando se começa a aprofundar na ferida e se descobre que ela é profunda e aí está à tua espera, há um embate.

Embate, porque não conseguiste travá-la, porque ela desenvolveu-se, ainda que já tenhas começado a dar passinhos para tratá-la. E toda uma revisão te passa pela mente, do que ainda não estou a fazer e do que poderei fazer melhor. Já que até aqui não foi suficiente.

Despertam algumas emoções de desânimo, de recolhimento, de preferir não ver e encarar, como se apetecesse embrulhar-me na minha concha e ficar quietinha até a tempestade passar. Mas no momento do embate, todas as circunstâncias que a vida apresentou foram outras. Cruzamentos com pessoas que não via há anos e conversas de vida. De momentos difíceis e da luta constante diária para se manter ao de cima. Os vaivéns entre o querer estar aqui e o querer partir. E como estes relatos na 1ª pessoa marcam. E a seguir outro cruzamento com alguém que apenas estive num workshop há 5 anos atrás, postura imponente, formal e refinada. E enquanto almoçava, já tardiamente essa pessoa estava sentada na mesa ao lado, mas quando passei meteu-se comigo, sem que me reconhecesse. O seu aspeto tinha mudado, cabelo comprido, com um ar selvagem, solto e embriagado, falando e rindo sozinho. Não esperava ele que ao se meter comigo, eu lhe tratasse pelo nome. Até que lá fez o reconhecimento e foram uns bons 40 minutos de conversa. Fiquei a pensar o que se teria passado com esta pessoa para estar em tal estado e ao mesmo tempo uma compaixão enorme, reconhecendo que aquela pessoa podia ser eu. Há circunstâncias, eventos que efetivamente modificam a nossa forma de lidar com a vida, embates, explosões, perdas, enfim... quando se deixa de saber gerir o que se passa cá dentro.

E perante estes eventos, o meu "embate" ficou em suspenso, à espera que eu pudesse parar e olhar para ele. Mas sem dúvida observar ao redor também nos coloca em perspetiva para voltar a olhar para o "nosso" drama de forma renovada.

E se o "problema", a "doença" se mostra é também a vida a dar o sinal que chegou a oportunidade de curar. É o momento de arregaçar as mangas e fazer-se à estrada, com nova forma de agir. E se ainda não se sabe bem o como, não tem mal. Só precisas de te disponibilizar e dizer, estou aqui, estou pronta! A vida encarrega-se de ir mostrando os caminhos e indicando o rumo a seguir.

Os desafios, esses vão estar sempre para que possas aprender e descobrir novas formas, sempre. E estás sempre a fazer um excelente trabalho, pois é com a consciência do momento e ela que te vai criando oportunidades de poderes evoluir e ganhar cada vez mais consciência. E sei que hoje, este embate foi melhor gerido do que se tivesse sido há uns anos atrás. Apesar do embate, não houve surpresa, pois parte de mim já intuía que era aqui que tinha de trabalhar.

Comentários