Gosto de observar




Gosto de observar. O que acontece dentro e o que se manifesta fora.

Há momentos em que o ritmo é tão acelerado que quase esqueço que respiro, ainda que respirar aconteça naturalmente. Sempre que observo o acto de respirar, o meu sentido de vigilância e observação fica mais presente, como se "quebrasse" por instantes o mecanismo do automatismo.

Há uma ordem natural que se sucede como a noite que sucede o dia. E depois de uma semana acelerada, segue outra mais calma, para que possa dar-se conta do movimento. Gosto de observar o que se sucede, as mudanças que ocorrem momento a momento.

E como um dia de sossego, com tudo planeado, as horas, os tempos, vem a vida desconcertar. Depois de tanta resistência, ela decide, hoje é dia de iniciar o ginásio. E certifica-se que a reunião é naquela hora, para que não lhe altere os planos. E sai equipada, determinada. E eis que chega ao estacionamento e não encontra o carro. Deteve-se por uns segundos, a fazer a retrospetiva do dia anterior para se certificar se teria sido mesmo ali, que teria deixado a viatura. Percebeu que sim, e lá foi ao café perguntar, se deram notícia de algum reboque. Confirmada a situação, chega à reunião, já atrasada por este imprevisto. E a ida ao ginásio estaria completamente adiada. E eis que lhe chega a multa e o valor do reboque, e ainda que consternada, pela situação, uma vez que a dificuldade do estacionamento obriga a que tenha de estacionar mal e tantos foram os anos que ela e tantos outros ali estacionaram sem que nada ocorresse, sabia profundamente que a multa era devida. Claro está que nunca vem a jeito, uma surpresa de libertar um valor com o qual não se contava no orçamento. Mas, ainda bem que tinha no momento o valor para fazer face a esta despesa. E esse foi o sentimento de gratidão que sentiu no imediato. Quase 1 hora para lhe passarem o auto, apercebeu-se de quão cabisbaixos estavam aqueles agentes a desempenharem as suas tarefas. A complicação do sistema para elaborar os documentos. E o engano no número da matrícula depois de tudo feito e o aborrecimento pelo engano, detetado por ela, que brincou para romper com os semblantes pesados que ocupavam a sala. A simpatia permitiu que a pouco e pouco se fossem relaxando. E muito bem tratada, lá seguiu caminho.

Seguia-lhe um velório. E sentiu a tristeza e a dor da perda sentida pelos entes queridos que velavam aquela que tinha escolhido partir. E por dentro ela sentia a celebração da morte. Não que pudesse gritar e manifestar esta alegria que sentia dentro, e que não era dela, mas também. É sentir a libertação do corpo da alma que escolhe partir. E recordara-se de há sensivelmente dois anos ter sentido o mesmo quando a sua avó partira, uma felicidade imensa por finalmente poder descansar e ir.

A morte é a transição para a vida, na eterna metamorfose que é a existência. Somos feitos de pó de estrelas e regressamos à terra, a pó. E ela acompanhando esta jornada de despedida da vida, vai-se cruzando com lágrimas de dor, sorrisos de quem já não encontrava à muito, sorrisos de uma sem abrigo, e lágrimas de riso de adultos que recordam a criança que têm dentro.

O padre que denuncia os mortos vivos que por aqui andam num automatismo profundo entre os apegos ao passado e as preocupações de futuro, relembrando que o momento é aqui e agora.

E ela respira e caminha, observando. O cão que ladra, que brinca, que corre para todas as pessoas que se aproximam. Simplesmente vai, sem qualquer receio, abanando a sua cauda, rebolando-se para que façam festas. E como todas as pessoas se detém a observar a ousadia deste cão simpático e como ele lhes arranca um sorriso tão fácil.

Tão simples esta pura autenticidade que um cachorro nos mostra. Verdadeiros mestres com uma sabedoria tão simples, mas tão complexa para o ser humano absorver.

E eis que hoje, ela se depara com o video "I leave you my dream" de Osho, que mostra a sua partida e como foi vivido o processo. E a mensagem que ele deixou aos seus discípulos. Celebrem porque deixo esta corpo que estava sofrendo e debilitado, a morte é apenas o fim de um ciclo que dará início a um outro, a vida. Transportamos em nós os pedaços que os outros deixam em nós, oferecemos as nossas partes também, e neste movimento de subtração e adição vamos evoluindo e mantendo vivo em nós as aprendizagens e o útil. Pelo que se é vida que nos habita, sejamos VIDA, até que o último sopro nos desapegue do que já não faz falta e transforme a forma.

Nos entretantos, aproveita, desfruta e sorri, o riso é a coisa mais séria que podemos ter para alimentar o corpo e a alma.

Gosto de observar o movimento e como tudo se acomoda

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