A semente




A semente.  Lançada à terra, sem que tivesse pedido. Acontecera-lhe, como se fosse esse o seu único destino. Encontrar-se com a terra e fundir-se com ela. O contacto permitir-lhe-ia que começasse a abrir-se, a desenvolver o seu crescimento. Toda a sua carapaça começava a desfazer-se e a transformar-se. A ganhar novo corpo, até que rompesse a terra e se expusesse ao mundo para florescer. Exposta, ao sol, aos ventos, às chuvas, à pegada humana e animal. Todo um conjunto de fatores externos que a iriam desafiar, provocar o seu instinto de sobrevivência.

E ali, resiliente, a semente assiste-se a si mesma, aceitando todos os movimentos que a vida lhe propõe. Nada quer, nada espera, apenas permite-se ser.

E olho para esta semente, sabendo que semente sou também. Vinda da matéria, a terra do útero materno e da água. E recordo como o primeiro instinto desta semente é igual à semente que é lançada à terra, que aceita o seu destino e permite que a vida a viva, que lhe dê o impulso e as coordenadas para que desenvolva. E cá fora, a semente-bebé continua a seguir o curso natural até que ganhe corpo suficiente para que o raciocínio e a mente comecem a recordar e a criar associações e armazenar memórias. E se por um lado é essa forma que permite a aprendizagem e o desenvolvimento dentro de um sistema social também o vai condicionando, até que se esqueça do estado natural de escutar a vida.

Escutar as coordenadas que o manual da vida vai dando momento a momento através dos seus movimentos. A vida que acontece dentro e fora. Escutar a organicidade do corpo, do que se sente dentro e atuar de acordo. A planta não se compara, não quer ser outra coisa senão ela mesma, flui com os ciclos, respeitando naturalmente a envolvente. E todos os cruzamentos, envolvências e proximidades criam um jardim repleto de variedades e vida. Há lugar para que todos coexistam. Assim é também com os humanos. A eterna dança de encontros, ritmos e movimento, cumprindo-se os ciclos.

Há um espaço de contenção e um espaço de expansão, inspiração e expiração. O fôlego que se prende para ganhar movimento para soltar. Nada nos pertence, nesta paisagem a que fomos convidados para fazer turismo. Estamos no devir, para fruir cada momento. Sabemos que o corpo emprestado tem um prazo, que se vai transformando e um dia seremos convidados a deixá-lo ir. Não sabemos o quando, mas que assim passa. Talvez por sabermos que este corpo é apenas um empréstimo queiramos agarrá-lo e detê-lo e nessa sequência agarrar-nos às formas, às coisas na ilusão de que assim possamos perdurar mais. E nesse apego e contenção vamos bloqueando o nosso fluxo, detendo o movimento natural. Há que deixar ir, libertar memórias, formas, e aceitar o que é. Aceitar o ser que és, amar esse todo, no pacote inteiro, ser amoroso e compassivo contigo mesmo. Esse é o verdadeiro caminho de regresso a casa, a simplicidade de apreciar a natureza, sabendo que ela mesma és tu na versão macrocosmos. Ao seres contigo mesmo amoroso, o reflexo que espelharás para fora com os demais será o mesmo. Não há de outra.

Permite que a tua semente floresça seguindo o fluxo natural da vida. Essa é a aprendizagem, recordar e reconheceres-te como um botão de uma flor que nasceu para florir perfumar com a tua fragrância própria.

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