A expressão de escrever



Es-cre-ver.
Es, prefixo proveniente do latim demarca o movimento para fora.
Cre-, do verbo crer, acreditar sem ver.
Ver, algo que se torna visível aos olhos.

Gosto de olhar para as palavras e decompô-las, perceber o que compõe cada sílaba, desconstruí-las. E escrever é algo que me diz muito, mais do que querer é uma necessidade que faz parte, que me impele para pôr cá para fora, usando formas, os carateres, as palavras, significados, sentidos, sentires.

E observando a palavra é o movimento para fora de algo que vem de dentro que se quer tornar visível. Sou a simples mediadora deste processo, usando o corpo, as mãos, os dedos para desenhar as formas que emergem para que a dança se faça.

Há sempre um burburinho que invade quando me sento para escrever. Sei que há a vontade iminente, mas não faço ideia do que vai surgir, e nesse impasse surge um nervoso miudinho, uma espécie de fuga também, que me diz já vou, e o querer adiar, por não fazer ideia do que há para sair. Uma espécie de ansiedade de não saber o que me espera, talvez o receio de não sair nada, de para quê. Assim é a mente pequena a tentar boicotar a necessidade intrínseca da verborreia que se quer desenhar. E aí, a mente apenas assiste ao processo, sem intervir, permitindo que se a explosão de palavras se manifeste e acompanha curiosa o desenrolar da narrativa.

E nestes momentos dou-me conta da mente que tenta controlar e apoderar-se. Tem que ter propósito, tem que ter  sentido, tem que ter lógica, tem que servir, tem que ser bonito, tem de estar bem escrito. Mas os dedos têm vida própria e seguem a sua vontade, não revê, não se ocupa no estilo nem na forma, apenas cumprem-se. E só por isso, já se torna útil, serve-se a si mesma.

Esse é o encontro. Da expressão de si que dança no seu ritmo muito próprio. Segue o pulsar do que o coração lhe dita. E sempre que se reconhece e recorda nessa sua essência de seguir o ritmo da música do seu pulsar tudo flui, com abertura e expande-se.

Tudo é expressão. E observando para além do escrever, tudo é o impulso de um movimento que se quer revelar para fora, das vozes que moram dentro que se querem tornar visíveis, por ser essa a sua natureza. Revelar todas as expressões do ser que nos habita, nas suas diferentes formas, expressões, sentires. Num movimento constante de contração e expansão. A vida contém-te e tu contens vida.

E tudo é efémero, em constante transformação. Mudam os ritmos, os ciclos, as formas, mas a Vida, essa continua sempre no seu pulsar.


Comentários