A história de um violino incompleto



Era uma vez um violino de cordas soltas à espera de ser tocado. De corpo torneado, castanho mogne  tinha como companhia o arco que sempre o acompanhava. Ele vagueava nas florestas por entre as árvores. Esperava que alguém o visse e o tocasse, só assim poderia ser apreciado.
Esquilos, toupeiras e pássaros  pousavam nele e percorriam o seu corpo forte e sensível.  O violino sorria por ser acariciado por estes animais que de vez em quando faziam vibrar uma das suas cordas e lá ecoava um som  que fazia silenciar as folhas das árvores.

Mas ainda assim, o violino sentia-se incompleto. Repousava por instantes numa sombra e seguia caminho, na esperança de encontrar quem o pudesse tocar.  Era um violino caminhante, com o seu arco, lá ia passo a passo, saltitando de árvore em árvore, desbravando floresta, atrás de floresta.

Tinha-se já habituado a caminhar, já não esperava nada, já se tinha acostumado à sua sorte de deambulante.   E repousando num recanto de flores sob um céu azul onde irradiava um sol escaldante e luminoso, eis que é encadeado por uns olhos verdes gigantes. Foi assim apanhado de sobressalto por aquela menina de cabelos de ouro e olhos redondos luminosos. Ela primeiro tímida, observava todo o seu corpo, as cordas, o arco, como que encantada por o que acabara de encontrar. Ofuscada, não se atrevia sequer a tocá-lo, apenas apreciava-o, com respeito pelo seu espaço, com uma sacralidade de quem descobre um tesouro.  O encantamento era recíproco. Também o violino estava deslumbrado com aquela presença feminina.

Constança tinha sete anos, e o seu passatempo favorito era passear pela floresta perto de sua casa. Era essa a sua casa, tinha longas conversas com as pedras, com as árvores, as flores, os animais, o vento e o sol. Eram os seus amigos, sentia-se mais viva entre os seus. E tinha encontrado aquele ser, o violino, aparentemente estático, imóvel e a tudo o resto ela encontrava vida, movimento. Então estupefacta, tentava entender que estranha forma de vida era aquela.

Depois de percorrer todo o seu entorno, procurou comunicar com ele. Apresentou-se e perguntou-lhe quem era. O violino que tudo escutava tentou responder. Mas por algum motivo, a Constança não conseguia entender as suas respostas. Apenas o silêncio permanecia. Mas Constança era perseverante e aos poucos começou a perceber que o violino também era vivo, apenas ainda não tinha descoberto como comunicar com ele.  Talvez ele precisasse de alento e começou a cantar-lhe, com a sua voz melodiosa. O violino sem perceber bem como, sentiu todo o seu corpo a vibrar e quando deu por si já estava em pé com o arco do seu lado, como que se estivesse pronto para voltar a caminhar. Constança continuou cantando, pois percebeu que o violino tinha gostado, mas continuava respeitando o seu espaço, sem nunca lhe tocar.  E algo magnifico tomou lugar. O arco enceta uma dança ao redor de Constança. Uma dança de cortejo, seduzindo Constança, pedindo subtilmente para que ela o tomasse para ela. E não resistindo à doçura e sedução, a menina enfeitiçada toma-o nas suas mãos e como num impulso é conduzida para aquele corpo torneado castanho e de arco em punho toma-o nos seus braços e a fusão do arco nas cordas friccionadas do violino por fim dá-se. E como se soubesse, Constança começa a tocar melodias harmoniosas e afinadas naquele violino que se regozija de por fim ser tocado com alma.

E a plateia de animais rastejantes, pássaros, flores e árvores juntam-se para aplaudir esta dupla de amigos. A vibração de sonoridades aproximou-os, e assim Constança ouviu o violino e começou a conhecer os seus gostos, as suas necessidades, a partir desse dia começou a tocá-lo, a ouvir os longos e lindos discursos que o violino tinha para partilhar que saía em forma de notas musicais, som e vibração. Tornaram-se os melhores amigos, tinham os meus gostos, passear na floresta e  a menina levou-a também a conhecer a sua casa, amigos e família e conheceu plateias cada vez maiores que se juntavam para ouvir as suas longas conversas musicais. Conversas essas que emocionavam, que abriam corações, que faziam estremecer, chorar, sorrir e bailar. Tinha descoberto o seu propósito e nunca mais se sentira só. Só precisava de ser tocado para ser ouvido e brilhar e tinha de encontrar alguém que o soubesse tocar. Foi ela que o encontrou. E agora podia servir.
 

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