Reencontro com a unidade




Não nos ensinam a ser livres, ensinam-nos a construir a nossas próprias correntes e a acorrentarmo-nos com gosto de sermos escravos da civilização onde vivemos.

A aprendizagem molda-nos os sentidos, começamos a formatar-nos de acordo com o molde que a cultura vigente,  família, educadores impõe.

Quem és tu? Perguntas-te tu? E a resposta a essa questão tem tantas capas, como as que foste recebendo ao longo das gerações da tua espécie. E vais descascando, com a paciência de quem procura um sentido e a urgência de quem quer as respostas já.

E sobes a montanha à procura do mestre sábio que te possa dar uma resposta. E essa montanha é escarposa e íngreme, porque a vontade do buscador tem de ser fortalecida, e faz parte do trilho testá-lo. E perante as dificuldades, continuas, porque precisas do sentido. E chegas ao topo da montanha e o sábio responde-te com uma metáfora, um enigma - És aquele que navega no paradoxo, que habita um corpo, mas não é o corpo, és pulsar, vida, és a parte e o todo, és o vazio e o cheio. Para que buscas o indecifrável buscador? 

Agora que subiste a montanha o que vês? Fizeste o caminho, reparaste? O que te deste conta?

Serás, todavia, o mesmo quando iniciaste o trilho da montanha? Quem és tu agora, pergunta-lhe o mestre sábio?

Estás pronto a largar as tuas crenças? Não sabias quando começaste a subir a montanha que irias encontrar tantos desafios, mas ainda assim continuaste, ainda que por momentos tenhas pensado em desistir.  Há uma força que te move, que vai para além do instinto de sobreviver imediato e que te faz percorrer apesar do risco iminente. 

A força que te impele ao encontro de ti mesmo. A busca não cessa enquanto te sentires separado de ti mesmo. Por isso acumulas, na tentativa de preencher o vazio que sentes. 

E como podes estar vazio se dentro tens tudo? Buscas na ilusão de alcançar fora o que não consegues ver dentro.Os sentidos estão virados para fora e absorves tudo o que eles captam, maravilhas-te, enojas-te e sentes todas as emoções que os teus sentidos conseguem captar e arquivas as respetivas referências, vais criando identificações e fazendo o teu próprio mapa que te vai permitindo navegar.

E o que vês quando olhas para dentro?  És confrontado com o negrume, com o escuro da ausência do colorido que vês quando olhas para fora.  E esse vazio não te satisfaz,  já que olhas para fora e tantas formas te invadem, texturas e cores. Como pode ser tão simples, tão redutor?

Não será essa a magnificência do silêncio que nada contém e tudo contém? Por fim o descanso de tanto ruído. E nesse aparente nada tanto sucede numa linguagem que vai para além dos sentidos físicos. Continuas a ver, a ouvir, a cheirar, a sentir, a saborear mas num tom e ritmo desconhecido ao aprendido no mundo da forma.

As batalhas que travas é contigo mesmo, na busca do encontro contigo mesmo. Em unificar e unir as partes separadas de ti. Do que tens medo de olhar, do que tens medo de brilhar. De te perderes na imensidão de ti? E como te podes perder dentro de ti? 

Sim, tu sabes. Já lá estiveste. Nem que seja por breves instantes. Tu reconheces e recordas por breves instantes a paz e a serenidade absoluta e queres permanecer lá. Mas algo te acorda e os pensamentos começam a borbulhar e desconetas-te desse estado e voltas ao caos e queres voltar a encontrar e já não consegues voltar a esse espaço por mais que tentes, mas consegues identificar na tua memória que já lá estiveste e conseguiste por breves instantes. E o automatismo invade-te na lista de afazeres do dia a dia e voltas a esquecer-te.

Por isso voltas a subir novamente a montanha para te relembrares do trilho, da força que levas dentro que te faz buscar. E à medida que a sobes vais encontrando o mestre sábio dentro de ti, e começas a recordar.  E há um momento que chegas ao topo da montanha e já não encontras o mestre. Ele já não vive lá. E descobres que ele sempre te habitou.

E cada vez que regressas já não és o mesmo. Outro ser renasce dentro de ti. Vais reunindo as partes. Mas mesmo assim de tempos a tempos sobes a montanha. Não porque te tenhas de provar que és capaz, ou porque busques, mas porque te dás a oportunidade de novos reencontros contigo mesmo.

Biliões de células, neuronas e partículas que te dão forma e matéria precisam de ser reconhecidas, reunidas para que te sintas, vejas, ouças, cheires e saboreies com nova transparência e clareza.


O entendimento e reunião de ti mesmo é gradual, à medida que estás preparado e sintonizado contigo mesmo  para que possas assimilar pouco a pouco nova consciência e perceção num caminho infinito de conexão com a Unidade que és dentro e fora.

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