Os banquetes



A tela colorida dos encontros revela a dança desta grande teia que se interliga e manifesta através da matéria. As vozes que ecoam, que se expressam e se emocionam. O que se solta e se desprende cá de dentro. Memórias presas que encontram espaço para sair e se reconciliar. As semelhanças, as dissonâncias. Os silêncios, os espaços e a música.

E reparo nas flores, na natureza que dança ao sabor do vento. Nas cores que florescem através das flores. Nas oportunidades de aprender, de questionar.

E o ruído apresenta-se para se mostrar. Através dos motores daquelas motos de cross que arrancam em viagem e que nos obrigam a silenciar, pois que abafam as vozes e o espírito.  E os cães que se revoltam, pois também não gostam desse som barulhento. E o tremer do cão que adivinha que lá vem trovoada, mesmo antes dela chegar, e as nuvens no céu que se aproximam cinzentas a anunciar que aí vem chuva. E a sabedoria viva de quem está na natureza repara e lê os sinais, respeitando-os e orientando-se por eles. A natureza está mais viva dentro deles. Está à porta de casa, dentro de casa comunicando e estabelecendo relação.

E o dia foi de encontros, relações com e entre pessoas, em convívios amorosos. Banquetes, como lhe chamei, na arte de bem receber e cuidar. E esse amor está tão vivo dentro de hospedar, acolher, abraçar. Ainda que os gestos físicos possam estar tímidos de beijar e abraçar, estão tão vivos na arte de receber. É preciso a ausência de algo, para que possamos reparar noutras formas. A observação fica mais atenta e recetiva. Os abraços e beijos como forma de cumprimento talvez se tivessem tornado automáticos e estivéssemos a precisar de os ressignificar. De nos tornarmos afetuosos com mais verdade. Tudo está mais transparente agora, ou talvez seja os meus olhos.

Há uma emoção mais à flor da pele no coração das gentes, uma vulnerabilidade de tocar e ser tocado mais visível. E isso toca-me na minha humanidade e reforça a minha esperança e firmeza no Amor que é e está em cada lugar, em cada esquina, em cada coração.

E 4 cães passsaram por mim. O meu que despertou dançando a pedir brincandeira, entre saltos e corrida, para a seguir me cruzar com outra cadela ternurenta e dócil, protegendo a dona e pedindo proteção quando os relâmpagos resolveram aparecer e deitada à lareira no meio dos humanos se permite relaxar e desfrutar da harmonia. Para depois seguir viagem para outro encontro entre 2 cães rebeldes por brincadeira e atenção. Entre mordidas e latidos na excitação de terem visitas em casa, disputavam a atenção, aqui estamos. O pequeno rabino impunha a sua presença ao grande na disputa por território, sempre desafiando o grande, que detinha uma paciência incrível, que lhe permitia fazer quase tudo. Como crianças, espontâneos, tudo servia para brincar e o espaço estava cheio de elementos que podiam usar para a sua brincadeira. O tapete que se torna o objeto de disputa e cada um puxa o seu lado. Não que quisessem verdadeiramente o tapete, eles procuravam a diversão revirando tudo o que tinham à frente e provocando os humanos que perante a barulheira tiveram de intervir para os acalmar. Estranhas maneiras dos humanos se divertirem, sentados à mesa quietos, convivendo, deveriam pensar eles, que buscavam forma de nos pôr em movimento com as suas travessuras. As mordidas, a sua forma de brincar um com o outro também me incomodava, tamanha agressividade e o receio que se magoassem, mas essa era a sua forma de brincar. E foi preciso chegar a casa e ser devolvida também ao meu cão para ele me jogar a boca a pedir atenção. Pega-me na mão com a sua boca e pequenas dentadas de alegria por me receber e depois começam a vir os objetos, o osso e a galinha para que possa jogar e ele correr pela casa  e jogar à apanhada. E quando deixa de lhe apetecer, pára e vai à sua vida. Adoro essa espontaneidade de se cumprir. Recorda-me a todo o instante a simplicidade de se ser, de se estar.

Não há acasos, há vida a acontecer a cada instante e ainda que estejamos envoltos na carapaça de um corpo, de uma idade manifesta pelo devir da matéria há a energia viva que nos revela que a pele gasta pela idade tem uma energia tão leve e viva, de uma criança alegre como um corpo jovem pode ter uma idade tão avançada. E tantos séniores encontro com a leveza de uma energia fantástica e alegre. Estarão mais perto do céu, já soltaram tanta coisa com as experiências de vida, que a espontaneidade, a autenticidade está mais à flor da pele. E é tão bonito poder aprender e absorver esse grande ensinamento.

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