A superfície desvela a profundidade



Ela queria levar o Fofis à praia, mas sabia-o tão rebelde que seria sempre um risco. Um risco que resolveu tomar, e muito afortunada foi, pois não havia outros cães que o pudessem desassossegar, nem vizinhos a quem ele quisesse ir cumprimentar. E todo esse contexto contribuiu para que ele pudesse desfrutar a maior parte do tempo à solta, correndo em liberdade e até ido a banhos. Observar a alegria e as traquinices dele era contagiante.

E mergulhava no mar derretida com a alegria do seu bicho, que de sentinela ficava guardando a sombrinha e a toalha. E continuou abrindo os braços ao mar e ao dia. Vamos lá tirar mais fotos, dizia a amiga, e ela a sério?!, óh não, que aborrecimento, mais uma pose, e outra. Não que ela não gostasse depois da compilação e resultado final e não se divertisse com o processo, mas estava-lhe a aborrecer tremendamente. E resmungando lá tirou as fotos e também lhe tiraram e foi relaxando e abrindo mais o braços.

Deixou-se dormir no colo do areal dourado, como ela gostava de dormir embalada pelas ondas do mar, mas este ano ainda não se tinha dado. E hoje acontecera. Era um dia especial para ela, de provação em silêncio. E respirando ia entregando e soltando em presença no momento.

E quando chegara a casa vem a vontade da ronha, mas era tempo de comprar fruta e algumas mercearias. E segue caminho para que a preguiça não a tomasse.  E um piquenique desmarcado, e ainda que batesse a surpresa, respira e abre para o que é. Tudo se reorganizava numa forma muita misteriosa e mágica. E vem outro almoço. E o video que há meses anda para sair finalmente começa a ser carregado e é publicado. Wow! E chega a meditação da abundância  no final do dia com a frase "Hoje contemplo toda a abundância que me rodeia", e olho para o dia que passou e essa foi a minha sensação. Só por hoje a minha provação foi superada. Um passo de cada vez.

E que o abraço seja aberto para se receber a si mesma, e a recetividade para acolher os presentes que a vida traz sob as diversas formas e nuances.

Na superfície vêm apenas as personagens, os cenários as dinâmicas que vão permitir que aprofundes, que te deixes realmente tocar, sentir, sem querer resistir, travar. Porque abrir não é apenas abrir os braços, essa é apenas uma fina camada de tudo o que há dentro para abrir e reabrir. Dentro.

E no visível assistes à narrativa do Fofis alegre aos saltos, que te recorda que liberdade e espontaneidade és. Que os riscos são os medos a ganharem voz de possíveis cenários que só aconteceram na tua cabeça. E o largar o controlo permite que se contemple, que simplesmente se esteja só ali, presente. E dentro destas camadas outras camadas mais profundas e imperceptíveis estão a acontecer no inconsciente. É uma espiral infinita que conflui para dentro e te suga até que desapareças e depois voltas à tona e voltas a ser sugado. E as narrativas são a música que vão criando interseções de pontes para a música seguinte. E ela só se dá conta de uma ínfima parte minúscula desta imensidão que não tem como perceber, apenas acolher e responder sim.

Deixar-se ir nas águas do mar, fazer surf com as ondas, no embalo de seguir o seu ritmo, o seu pulsar.

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