És um cadáver adiado?



Não nos damos conta, porque nos é invisível aos olhos de ver, mas sabemos que todo o nosso organismo está em atividade constante. O sangue circula pelas nossas veias, o processo digestivo,  a passagem do ar, as células e todo um sem número de sistemas funcionam habilmente dentro de sistemas para que o corpo funcione. Milhares de processos ocorrem em simultâneo para nos manter vivos e a funcionar.  Mesmo quando estamos quietos ou a dormir.

Se nos déssemos conta provavelmente enlouquecíamos com tamanho ruído. Até nisso há inteligência e sabedoria. Muitas vezes observamos e damo-nos conta quando algo está a funcionar menos bem. O corpo emite sinais de alerta, como forma de nos auto-proteger. O corpo procura a saúde e para isso traz as dores e a doença para alertar que algo não está bem.

Somos energia. E energia é movimento. Observar e dar ao corpo o que ele precisa é cuidar da saúde. Tudo precisa de equilíbrio e quando mal empregada a nossa energia, os corpos ressentem-se. Vivemos num ritmo tão acelerado que é tão comum o cansaço apresentar-se. O corpo mental está constantemente em hiperatividade e o resultado é o corpo ficar tenso, a sensação de apatia. Não se respira. O respeito pelo que se sente é tantas vezes esquecido em prol do que é bem, do agradar, do responder a um dito protocolo do que deve ser. E no fim o corpo é que paga.

E se o corpo é movimentado por energia, quem se ressente é a movimentação de energia pelo corpo que se fixa, que se densifica e estagna. E tudo pede circulação. Circulação entre o movimento e a quietude. Entre prestar atenção ao que se precisa. Se a mente fica presa em pensamentos há que os pôr a circular, ativando o corpo físico, pondo foco na matéria para desviar a atenção da fixação e rigidez. Se as emoções ficam presas há que soltá-las, gritar, chorar, espernear, rir para que se movimentem e possam dançar. Tudo o que fica preso bloqueia a energia. E a qualquer momento, quando menos se espera, ela arranja forma de extravasar seja pela doença, pela dor, por explosões de temperamento e rebeldia. 

Como um rio que quando encontra um obstáculo vai contorná-lo para seguir o seu fluxo,  perante uma barreira vai continuar a bater até rebentar com a pressão da sua energia. O mesmo ocorre connosco.

E hoje assistia àquela criança cheia de energia trancada em casa. Trouxe-a à rua para brincar e correr e quando regressa assiste à explosão de rebeldia para chamar a atenção. Ela tinha energia e precisava de a usar e contida transformava-se numa explosão de traquinices, birras e gritos. É claro que na sua inocência e imaturidade não sabia manifestar a sua necessidade aos adultos, mas o comportamento denunciava-a.

E tu adulto/a perante esse incómodo e mal estar saberás dar-te conta do que a tua energia precisa e estarás tu a dá-la?

As respostas nem sempre são claras. Mas mais importante do que saber responder é saber perguntar. O piloto automático faz-nos saltitar de uma atividade para a outra sem conexão com o sentir. Não há tempo para perguntar nem para escutar. E há que parar para sentir. Como estou, o que preciso?

É preciso desocupares-te das mil e uma desculpas que te dás para não ter tempo. Estamos para cá para viver, não são cadáveres adiados à espera do enterro. É preciso recordar. Que estás vivo aqui e agora para viver e desfrutar de cada momento. Apreciar.

Do que serve ter se não consegues ser?!

E hoje ela fazia a limpeza do local de trabalho em relação com o que estava a fazer. Cada pedaço de chão que limpava era uma oração com ela mesma, limpava um pedaço de si, regenerava-se e nessa limpeza sentia leveza e espaço. Não havia tempo, e houve tempo para tudo, não havia cansaço, apenas energia a circular. O dia já ia longo e coube tanta riqueza nele, foi reparando em tanta coisa e circulando nela e na vida. Os momentos de paragem e de movimento.

Amanhã teria de voltar a recordar-se para continuar a estar presente. Que as distrações, essas eram tantas. E estava viva, com vontade de saborear a vida que se apresentava.

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