Esvaziar



O momento era de contração e tudo nela pedia silêncio. Sentia que o corpo estava prestes a soltar, mas tinha o seu tempo próprio. E enquanto esperava, a sonolência batia-lhe à porta, o desacelerar dos passos, da voz, o abrandamento do corpo e inchava para que a última contenção pudesse ganhar o impulso para a expulsão.

 E eis que o momento se dá e a morte do óvulo não fecundado é expelido. A morte batia-lhe à porta todos os meses, e fazia questão de se mostrar através do sangue que saía pelo corpo. Sabia que todo o seu corpo e organismo lhe falava de um sistema de vida e morte que acontecia a cada instante, por todos os poros, orifícios de forma visível e invisível.  Mas a menstruação era sem dúvida um momento mais sagrado, falava-lhe da capacidade desse corpo gerar e fecundar vida. E o lembrete vinha através do símbolo da vida, o sangue. Para que honrasse e sacralizasse a sua dádiva de gerar vida em si mesma, de permitir o movimento da morte e da vida e da renovação dentro e fora, ainda que pudesse não entender as subtilezas, todos os meses recebia o memorando da sua transformação silenciosa. E como cada ciclo era único e diferente em si mesmo. E em cada morte vinha a oportunidade de se purificar e revitalizar.

É tão importante deixar-se morrer como gerar vida. Um está dentro do outro, suportando-se num equilíbrio perfeito. E há que aprender a morrer, deixar ir, desapegar.

Gostava das frases soltas e hoje um filme trouxe-lhe Rumi, e na busca pela frase escutada encontrou outra que encaixava perfeitamente no seu sentir:

"Este silêncio, este momento, cada momento, se estiver genuinamente dentro de você, traz-lhe aquilo de que você precisa. 
Não há nada para acreditar. 
Só quando parei de acreditar em mim próprio, consegui entrar nessa beleza. 
Sente-se em silêncio e ouça a voz que diz: "Fique mais silencioso". 
Morra e fique quieto. A quietude é o sinal mais seguro de que você morreu. 
A sua antiga vida foi uma frenética fuga do silêncio. 
Saia do emaranhado do pensamento. 
Viva em silêncio."

Tantos eram os sinais e os recordatórios para que pudesse deixar-se ir mais e mais. Os ciclos da natureza, o dia, a noite, os ciclos da lua e do corpo. E o ruído lá fora que se queria impor para manter, para se agarrar. E as vozes dos "palhacinhos" dentro a quererem direcionar e controlar uma rota que não lhes pertencia, enchendo-a de significados e ilustrações. O corpo inferior a querer impor-se ao superior. E alimentando a "ilusão" de que os lampejos viriam da mente superior. "Eu sei", "A minha mente iluminada diz, ela que sabe", num joguete maravilhoso de querer controlar qualquer coisa.

Há 12 anos atrás ouvira a frase "não queiras ser nada", ela respondia, "como é possível? o ser humano é ambicioso por natureza " Foram necessários 7 anos para apenas começar a entender a dimensão dessa frase, ou melhor, dar-se conta na sua pele, na vivência do dia a dia... e quando achava que começava a perceber qualquer coisa mais, vinha a vida dizer que tudo era bem mais profundo e não era nada disso. E interessante observar os passos do caminho. Percebera que o não ser nada, lhe trazia o tudo e a ligação ao Todo. Então, pôs-se mais direta, a dizer que queria tudo, ah, ah, ah, ah... e claro que a diversão começa, através da manifestação para que possa aprender as lições e as camadas dentro das camadas. E a dualidade continua a apresentar-se para que se dê conta e vá descascando as ilusões que a mente demente cria.

"Bata e Ele abrirá a porta. 
Desapareça, e Ele vai fazer você brilhar como o sol. Caia, e Ele elevará você aos céus.
Torne-se nada e Ele transformará você em tudo.", Rumi

E acrescento, antes terá de morrer qualquer ideia formada sobre o "tudo". Desaparecer é deixar morrer a identificação com a personalidade, é renunciar ao conhecido, aos conceitos pré-concebidos, às formas fixas e poder navegar através delas com a inspiração do Espírito.

E celebrar a morte e a vida!

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