Faz as malas... a viagem já começou



As viagens fazem-se dentro. Já o sabia, mas gostava de observar o movimento.

Hoje recebera um telefonema com um convite. E a conversa do outro lado iniciava-se com "Estás em Portugal?" E com surpresa pela pergunta, respondeu que sim. Era óbvio que estaria por cá e quando o convite sai, a resposta sai-lhe com "que pena, vou estar fora em viagem :)" Fora apanhada! Mas claro que a viagem seria dentro do país.

E curiosa observava. Não importa para onde faças a viagem se dentro ou fora. Ela começa quando tomas a decisão de sair do lugar. E pode ser literal ou metafórica. Importa a vontade de partir, de quebrar algum tipo de rotina ou estrutura dentro de si.

E o que acontece durante o caminho. Partir era sempre uma despedida sem olhar para trás, por isso gostava de deixar tudo tratado e organizado. Sem deixar nada por fazer, nem pendências. Os preparativos eram quase sempre deixados para o último dia, como se a sua lista mental fosse tomando notas para se apresentar como fechada no prazo limite. As malas, essas, o mais tarde possível. Custava-lhe programar com antecedência as roupas que iria querer usar lá mais à frente. Mas acontecia-lhe uma coisa espantosa, quando se impunha o momento, a mala fazia-se com uma rapidez extraordinária.

E o interessante é que recebera tantas chamadas só para lhe desejarem boa viagem e a quererem despedir-se. E também ela se despedia sempre de cada vez que partia.

Estava cada vez mais familiarizada com as mortes que lhe aconteciam, sem saber exatamente o que estaria para morrer, mas permitia-se.

O dia mostrara-lhe a fluidez, os encontros, as surpresas, as mudanças de planos, o carregador de telemóvel perdido em casa, para depois o encontrar à frente do seu nariz debaixo da mala. As caixas de supermercado com sistema bloqueado por mais de uma hora, a tensão contida na espera que se alivia por sentir a tensão dos outros, a explosão com uma cena de porrada no local. A calma perante o caos, a decisão de partir, as últimas correções ao trabalho, o jantar em família, a despedida do Fofis, o mimo do sobrinho, as novelas da vida através das narrativas dos amigos. E o momento de pausa para observar os acontecimentos,  uma mala por fazer e uma meditação antes de dormir para que pudesse fechar o dia. Mas não havia pressa. Estava a desfrutar do seu momento musical e a letra ia dizendo "Welcome to the jungle", de Tash Sultana. Como adorava aquela batida.

Como cabe tanta vida na vida. Seria uma selva? Certamente.... com direito a tudo. Haverá algo mais magnífico? E nem precisa de ligar a Tv. A vida real acontece à sua frente.

E sem sair da sua cidade hoje assistia a uma grande viagem. A que participava na 1ª pessoa com as suas dinâmicas próprias e nas que eram partilhadas consigo.Não que essas viagens não acontecessem diariamente, mas talvez por estar de partida, reparasse com novos olhos na intensidade de tudo o que lhe era apresentado.

Faltava-lhe agora fazer a mala... e partir literalmente para a viagem. Já que a outra, já tinha começado.

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