Demites-te?


No intercâmbio gosto de me trocar as voltas, para que possa frustar as minhas expetativas e falhar cada vez melhor. 

Parece estranho? 

Estou a facilitar-me caminho, a permitir-me ver de várias perspetivas e ângulos e sentir-me cada vez mais confortável no desconhecido, isto é, no que é novo. 

É na relação que me espalho.. na que estabeleço comigo e que é mais visível com o exterior, as pessoas que me rodeiam, que entram na minha redoma de cristal e mo quebram. E o resultado? Permitem que me expanda e me alastre para além da pele.

Porque eu sou tu e tu és eu, sem que isso implique que eu perca a minha individualidade.

É preciso abrir para poder receber... deixar cair as máscaras, as redomas de vidro, as armaduras de ferro.  Receber-te olhos nos olhos e deixar que entres nos meus olhos, na minha casa. 

E se em tempos tudo o que me davas era insuficiente... queria mais e mais, sedenta e "hambrienta", nada era demasiado e tudo parecia demais. Nem às paredes me confessava... pois como explicar um espaço vazio que não se entendia e que por mais que se tentasse preencher ele teimava em esvaziar-se.

Se me davas e eu queria mais... que parte de mim não conseguia receber-te? Que narrativa ideal e utópica tinha construído dentro da mente para me auto-proteger de receber a vida?

E perceber que não receber é manter um ciclo vicioso de exigência "dêem-me" e "dou para que me vejam e me retribuam de volta".

Geramos convites aos outros a partir da nossa própria dor para que assim possa controlar. Eu dou-te para que me dês de volta. Adoro quando elogio e a pessoa tem a necessidade de elogiar de volta e dou por mim a fazer o mesmo, quando distraída estou. E que estou mesmo a fazer? A não permitir-me receber totalmente o elogio que me está a ser dado. Ativo logo a necessidade automática de retribuir.

E receber é deixar entrar, permitir que se instale e se acomode, que provoque as sensações que tem de provocar, que mexa. "Não tomo o recebido porque isso implicaria a um maior dar-se a si mesmo", diz Joan Garriba. E assim não me mantenho no meu lugar. Corro, desresponsabilizo-me de mim, de cuidar de mim, de ser adulta, ser a minha melhor mãe e pai. Correr para mim e não distrair-me com o que anda fora.

Receber implica responsabilidade por mim. Responder com a minha habilidade de tomar conta de mim, compromisso pela minha impecabilidade.

Até quando queres continuar a demitir-te de ti?

Para receberes o salário, para cobrar pelo teu trabalho tens de assumir a responsabilidade e compromisso pelas tuas habilidades e talentos. Dedicas tempo, vontade, disciplina, competências para que as tarefas se cumpram e para que te sintas merecedor por receber, certo?

E quantas vezes reclamas que não ganhas o suficiente e as condições exteriores e tudo e que dás tudo, e dás e não és reconhecido e valorizado.... reconheces estas queixas? É que receber não é só elogios, é também críticas... é tudo o que a vida nos propõe.  Qual a posição mais fácil, assumir a responsabilidade pelo que recebes ou continuares como treinador de bancada, a excluir-te da equação e a reclamares de tudo o que te rodeia?

Não há varinhas mágicas nem passos de magia ou pílulas curativas... há processo, há caminho, há caminhar e passos que nos fazem andar para a frente e quebrar a repetição do padrão e do passado. O futuro é um campo gravitacional com muita força que nos chama e impele a avançar, a criar o novo a pôr em movimento, a potência e o potencial que temos dentro.

Começa por honrar o contrato de vida e para a vida contigo.

Avança!

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