A travessia no deserto


 

 Atravessar o deserto pode ter tantos olhares. Podes ir só, acompanhad@, desolad@. Pode ser o maior terror ou a maior bênção.

O deserto é dos meus lugares predilectos...  da minha imaginação. Sem que nada lhe diga, transporta-me sempre para aí. Até que fisicamente os meus pés me transportam para essa peregrinação.

Aí a mente pode descansar do ruído das identificações visuais. O encontro entre o céu e a terra estão mais próximos. E o azul e o dourado misturam-se e fundem-se. E percebes-te tão pequeno como o grão de areia na imensidão de areia que é o deserto.

Tudo fica bem mais transparente e não tens como te esconder de ti. E quando encaras de frente o terror de te perderes literalmente no deserto e respiras fundo... cada monte de areia é igual a outro e as pegadas na areia diluem-se no vento. E lá longe ouves vozes que ecoam no espaço, mas não consegues detetar de onde vêm. Por instantes sentes o pânico, de andares às voltas, sem conseguir perseguir os sons. E o bréu da noite cada vez mais escura tornam aqueles breves minutos num tempo interminável. E por fim dás-te conta do enredo dramático que a tua mente está a criar. Respiras e voltas ao centro. E tranquilizas as vozes dementes que já tinham criado o fim do mundo. E sem pensar começas a caminhar, segura dos teus passos, sem saber, contudo para onde te levam. E eis, que cada passo firme a levavam em caminho direito para o acampamento.

E aquele susto valente, a partida da sua mente, mostrava-a quantos medos carregava dentro e atestados de incapacidade se tinha passado a si mesma. E assim começara a sua jornada no deserto, perdendo-se de si mesma.

E precisava mesmo de se perder. De perder de vista a ideia fixa, pré-definida que tinha da sua persona. Largar as formas e a identificação com as mesmas. Precisou de encarar os medos das alturas, de se moldar ao camelo e deixar que ele a pudesse guiar. Respeitando o seu ritmo, as subidas descidas a pico. Confiar. Dar o passo no vazio. Permitir-se almarear, romper as estruturas, desafiar os limites conhecidos até aí.

E entrar em contacto com a obscuridade, lá onde está a sua semente, bem enraizada no quente da terra, respirando, contraindo e expandido o seu movimento.

É preciso conhecer as raízes, senti-las debaixo da terra que pisamos, sentir o seu pulsar neste corpo ambulante para que cada passo se faça com o recordo do que somos feitos e do que levamos dentro.

E se na imaginação sempre que era levada para o deserto sempre aparecia uma companhia que me dava a mão e caminhava a meu lado, no físico tantas mãos estendidas a apoiarem. E o camelo... ui, tanta cura me trouxe, os irmãos maiores que aqui estão sempre a apoiar-nos.

E se achas que o deserto é deserto, digo-te que é só ilusão dos teus olhos que estão fechados. Terás de abri-los para ver a claridade do conserto que toca para ti nesta grande orquestra e sinfonia que compõe a vida, Existência. E esse oásis, é real. 

Despoja-te do que já não te serve para que possas receber o novo.

Crê para que possas ver. Abre os olhos e repara! 


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