Saudade de Si


Perguntavam-lhe com frequência como conseguia estar sempre alegre e ser assim tão leve. Que parecia levar os dias sorrindo e rindo, dançando, brincando com o que a vida lhe trazia.

Onde te chateias tu, perguntavam-lhe, por vezes. Não pode ser real tanta ligeireza. Em que mundo vives tu?

E ela por vezes, enleava-se também nessas questões, duvidando da sua própria alegria, pois que não podia ser, o que estaria ela a esconder?

Só conhece a alegria quem já esteve na tristeza e o Amor vem de um daDOr que dá a sua semente para ser fecundada. E ela reconhecia profundamente as suas dores e tristezas. Até lhes tinha alguma afeição e apego. E cantava-lhes, dançava e dava-lhe sorrisos, o bálsamo da alegria para que se pudessem acalmar.

Tudo está dentro de tudo, interligado, num grande organismo que pulsa num movimento que contrai e descontrai. Há beleza em todas as partes. E nesse grande reconhecimento começava a largar as identificações, nada serve para agarrar.

E se conheces ambas e reúnes em ti todas as forças e vulnerabilidades permites que elas te penetrem e fecundem, sem que as tenhas que exibir fora. Basta que observes e te dês conta. E se o exterior te questiona e te quer definir e rotular, permite que o façam. Não é de ti que falam, mas dos reflexos. Se te identificas, pois terás que observar o que te toca. Que nada te defina, nem tu mesmo. Não te feches ao conhecido. Abre-te ao que há para explorar. E se hoje há alegria no seu coração, é a força e a vontade de viver, o entusiasmo pela música e pela dança. Ou lá há dúvidas que a Energia é vibração e Som, movimento a ser dançado?

Claro está que todas as emoções a atravessam, mas não se detém, não se agarram, respeita o seu fluxo. E quanto mais o seu coração se alimenta de si mesma, mais Alegria sente dentro, pela maravilha que é estar aqui.

Momentos houve na sua história em que tudo o que queria era ir-se embora, nada fazia sentido, e a sua personalidade buscava tanta coisa, ambição por ter, pelo reconhecimento. Afrontar os medos e calar a dor que sentia dentro, numa recusa de aceitar a sua história, o lugar onde tinha nascido, as condições. Livro de reclamações, por favor, que eu não pedi para vir cá experienciar as sensações de abandono, rejeição e ausência. Por que razão teria de ter tudo pela metade e porque raio teria de comparar com o vizinho do lado e o achar melhor do que eu? Que programa tão distorcido corria no seu sistema. E como o desinstalar? Passara parte da sua vida a lutar para se mostrar capaz, válida e digna de reconhecimento, estatuto para dizer "Eu tenho o meu lugar, valor".

E sem dúvida, que programa tão distorcido era esse, que a fazia correr desenfreadamente para fora de si, em busca das migalhas do exterior. Claro que só poderia estar ligada à dor, à tristeza de não se sentir bem na sua pele, à mercê das esmolas que a faziam ir aos píncaros do êxtase e da derrota.

E à medida que ia navegando na sua pele, sentindo-se acariciada pelo seu próprio toque ia devolvendo-se à sua ternura e amor. E como dar-se a si mesma tinha tanta força. Enxugar as suas próprias lágrimas e receber-se com beleza na sua própria vulnerabilidade. Que alegria e encontro de si. Tinha saudades de si mesma. E no queixume do abandono, ausência e rejeição que achava receber fora, nada mais era do que andar de costas voltadas para si.  E foi a tristeza que a fez ver que era alegria, que tinha de haver mais e, a fez romper caminho na descoberta de si.

E se o sentido é o AMor, ver-se e receber-se nessa imensidão, entender que tudo é Amor e Consciência só na jornada para esse encontro, poderia reconhecer-se. E quanto mais vai reconhecendo, mais vai abrindo, expandido e acolhendo. Remembrando-se.

Escolheu a melhor história que podia para se enriquecer nessa jornada de retorno a si, para que no cura-ação possa tornar-se a melhor cOração. Integrar é tornar inteiro dentro, regressar à grandeza da alma, à sacralidade. E é tão boa a história que escolheu nesta vida, a família que resolveu integrar e amar que não se esgota, continua a trazer ensinamentos infinitos para que se possa tomar cada vez mais profundamente e aceder à sabedoria e maravilha da VIDA.

Saudade de Si, a nota musical,  da Unidade, da totalidade. O centro de Si, o som primordial do Cosmos, vibração. 

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