As histórias por detrás das histórias



Era uma vez uma cadela café com leite super fofinha que deambulava no bairro.  Mansa, simpática e brincalhona aproximava-se dos humanos e dos outros cães para brincar. Corria, ia, mas voltava sempre ao mesmo lugar, perto da porta de um prédio... na passagem. Passavam-se as horas, o dia, a noite e ali ficava ela deitava, à espera. Na espera. Partia-lhe o coração olhá-la e perceber que aguardava ali pacientemente pelo regresso da sua dona.  Mas quando passávamos por ela, que alegria. A alegria com que nos cumprimentava. E os vizinhos do bairro tinham o banquete sempre à sua disposição. Levavam-lhe água, comida. Velavam por ela. 

Até que resolve divulgar o tema nas redes sociais. E nova surpresa. Em menos de 24 horas mais 200 e tal partilhas e intervenções, assim como a cadela fora levada. Queria acreditar que para bem e para ser cuidada. E toca-se um ponto e desenrola-se um novelo de tanta informação. A solidariedade das pessoas pela causa animal e o sentimento tão genuíno por cuidar dos animais de 4 patas. Que lindo e maravilhoso! E quando se diz que quanto maior a luz, mais visível a sombra? Pois, assim assistem os meus olhos. O julgamento atroz sobre quem abandonou a bicha sai ao mesmo tempo do que a vontade de cuidar. E os atestados logo passados à "maldade humana" e o que devia acontecer,  dizem os treinadores de bancada e os juízes imaculados, talvez inocentes, nestas matérias de zelo pela causa animal. Que sei eu?! 

E chega-me a triste história da possível dona da cadela também pelo facebook e confirmada depois por vizinhos a quem fui perguntando, por querer saber o destino da dita cadela. E supostamente,  diz que a senhora que tinha perdido o marido há dois meses, cujo pai do marido tinha caído do prédio e também falecido meses antes, por motivo de doença ficou em cadeira de rodas, ficando impossibilitada de todo de cuidar da cadela. E a mãe que a fora buscar para a cuidar, apenas a levou a ela.

Observo a narrativa que me chegou. Não importa confirmar os detalhes, mesmo que não seja totalmente verdadeira tem aqui tanta informação a ser traduzida.

Como julgar uma situação em si mesma tão dolorosa e como é tão simples desconhecendo os factos fazer juízos de valor, criticar. As considerações externas do bom e do mau. Quando não temos como imaginar a dor de quem abandona, nem sequer a dor do animal que é abandonado. O importante é avançar para as soluções, para o que se aprende. Como ressignificamos o que nos acontece.

Como escutamos e observamos a envolvente. E quando abrimos e nos disponibilizamos  aí tocamos e somos tocados. E de repente a teia começa a tecer-se e a ligar tantas conexões. E no mesmo dia que me envolvi com os vizinhos, no genuíno interesse de saber e de dar feedback a quem ajudou sobre o resultado, fiquei também a saber que aquela gata mansinha preta que andava pelo bairro abandonada, também tinha sido levada para adopção.

E há um momento para abrir o campo, deixar que a informação venha, aconteça. E ali estás a facilitar e mediar a informação, largando e soltando para que as peças se movam sozinhas. A partir do momento em que o passo é dado, tu desapareces e tornas-te invisível. 

És um passo de dança, uma nota musical, um ritmo a mais que se junta nesta grande sinfonia que é a existência.



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