O Poder de Sentir

Créditos da foto: Mauro Rodrigues
Make up: Telma Ramires 

As sensações percorrem a pele e ela arrepia-se, agita-se, treme balbucia, transpira e como por detrás destas reações físicas cabem tantos sentires de dor, prazer, espanto, esforço, gratificação, surpresa, felicidade, pranto, gargalhada, entusiasmo, angústia. 

Depois da pele há outras peles que viajam para tantas dimensões em simultâneo, onde o espaço e o tempo se unem. É real. És real nesse mosaico de tanta coisa que sucede ao mesmo tempo. E como digerir e processar? 

Não dá. Nem é preciso. Apenas ser. Ser veículo para que a vida te atravesse por todos os poros, sem que haja nada para agarrar e tudo por sentir e vibrar. Talvez esteja aí a piada, sentir o arrepio na espinha de alto abaixo e o sangue que corre nas veias, o coração que pulsa apressadamente, a respiração que faz o corpo dançar profundamente num movimento de contração e expansão.

Assisto-me, envolvo-me. Agarro para a seguir largar. Fantasio com o melhor que há e faço filmes que nem às paredes confesso, que me arrancam sorrisos abertos e marotos. A seguir caio na real, mas o sorriso, esse é só meu e ninguém mo tira. Nem o prazer de fantasiar. Por vezes baralho-me com a fantasia e já não distingo em que verso do pluriverso estou e lá vem a queda de uma ilusão que tinha tudo de bom. Caio na real... ou melhor, caio em mim. E aí sentindo os pés no chão, caminho presente. Ora me zango, ora me rio da criança que brinca e páro a minha própria Birra do Querer à minha maneira. E dou-me conta que estou exatamente onde devo estar.

Dou-me conta do tanto que ainda não aceito em mim e nos outros. E está tudo bem. E olhar-me com essa doçura de que não há outro lugar onde estar, se não em mim. Perde todo o sentido exigir seja o que for. Já cheguei. Já estou. Dei-me conta. Regressei. E quando me dou conta regresso. E cada vez mais estou aí nesse lugar, em mim. Dando-me conta da loucura que é estar rodeada de tanta vida, sensações, participar e observar.  E aí, confundindo-me tantas vezes com as formas, e identificando-me com o sentir, faço tantas viagens. 

E sabendo deste grande jogo e desmontando-o à luz da transparência, vejo-te também. Acolho-te. Não te quero mudar. Não te quero tirar as dores. Não posso carregá-las por ti. 

Aceitar-te e deixar-te aí nesse espaço que é teu, sem pretensão de nada. Não tenho a capacidade de resolver a tua vida por ti. Estou tratando de viver a minha e resolver o que vai surgindo e lidando com os embates que percebo e recebo também através de ti. E soltar. Quero-te bem. Somos adultos. Isso implica pagar o preço por isso. Nem sempre tenho paciência para escutar. Dizer não é respeitar-me também. É pôr limites. É ir, e fechar a porta quando não reconheces o não.

E perceber que o Escutar nem sempre é fácil. Só se quer derramar o que vai dentro, descarregar, mesmo que o outro diga não. E a profunda dificuldade em se escutar a si mesma. Ausência de mim. Agora entendo as vezes que me ausentei para não me escutar. Que fingi estar tudo bem, para que não desmoronasse em frente aos outros. O medo de não saber lidar com a própria vulnerabilidade. 

Achava-se tão diferente, distante, até superior por estar  noutra perspetiva e era tão igual, a ponto de não se ver refletida nesse grande espelho. Vamos lá ser forte. Como se resolve, como se rompe e rasga caminho para seguir no controlo e no que se quer. Quantos são?

E a energia da valentia escondia a profunda necessidade de se dar colo e sentir. Não se permitia estar aí, na vulnerabilidade. E quanto do espelhado lhe falava. Não podia carregar a sua dor.  Aliás, olhá-la reforçou também o porquê e para quê deve seguir e cumprir-se. Para que pudesse avançar na sua vida sem depender de cuidar dos outros para justificar a sua existência. Era mais do que isso. Queria ser mais do que isso.... então que possamos abrir para aprender e sentir o que há para sentir. Dar permissão a si mesma para sentir, para se abrir, comunicar, partilhar.

O frágil, o entusiasmo, os medos, as alegrias, os sonhos, os temores, as inseguranças. E à medida que aprofundava o olhar sobre si... sentia que ia respeitando mais o ritmo do outro, as diferenças, os encontros e desencontros. E se há algumas horas atrás se queixava da diferença de ritmos, de querer tudo já. Da sua falta de paciência e da engenhosa mente começar a interpretar e a encher de significados a narrativa que tinha na frente. 

Agora, por agora, conseguia largar e achar as causalidades, sincronicidades da vida extraordinárias, cheias de aprendizagem, neste grande telar, onde a arte está sempre a ser desenhada e criada . E só conseguia contemplar a perfeição, a magia da VIDA.  

Um novo olhar, uma nova abertura estava entrando e ampliando a sua visão sobre as raízes, e sobre esta terra encantada onde escolhera encarnar. E se outrora, sentia que tinha que pedir com licença para estar, ser, agora, uma nova confiança se apresentava a ela. E ela estava a gostar de a conhecer e a aproveitar para fazer a limpeza e sanar o que já estava pronto para se soltar.

E a música acompanha e diz... "somos só um grão de areia. Não somos nada. Atreve-te a flutuar em braços de um mundo terrenal. Sê consciente de tu espaço quando te abraça o vento. Em teus sonhos se enredam os recordos da maré. Foste peixe do mais doce aquário. Tranquilo e leve."

E uma honra poder saborear, desfrutar e aprender a Amar o que É e tecer neste grande Telar de Sonhos que é a Existência.


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