Deixar ir... só ser







Tanto tempo virada para si. Tudo rodava à volta do seu umbigo. Queria-o bem limpo e desinfectado. E aí nesse trabalho de se olhar e ver, recordava cada vez mais o que era sentir, sentir-se. Ia-se destapando, descascando, despindo. E quanto mais se atravessava, mais movimento gerava dentro e fora.

E se por vezes achava que estava demasiado no seu umbigo, em si, por estar tão dentro e que fosse isso também uma forma de fuga ao mundo lá fora... percebia que por estar tão ligada, sentia tudo intensa e profundamente.

E por vezes a Vida chegava-lhe de assalto... tirava-lhe tudo para que pudesse ficar aí sem nada, nesse vazio. Sem nada a que se agarrar, largar qualquer querer, ilusão e desejo. E como isso lhe parecia aterrador por momentos, encarar essa ausência. Em tempos, falaria de abandono. Agora já não. É só ausência física, saudade. A presença, essa está tão presente, que se ouve, cheira, vê.

Estamos tão juntos no outro lado do véu! Mas ainda há a vontade de tocar e agarrar. A fisicalidade. A carne precisa da carne. Para que através do choque, embate, comunhão se gere a criação através da forma. É aí, no encontro, na fusão que se despoleta a alquimia necessária  para abrir e expor a semente à vida. As camadas escondidas são denunciadas. A vulnerabilidade exposta para que a dor se possa doar ao Amor e se faça o Amor. 

É preciso atravessar a noite escura, o desespero, a desistência para que  possas agarrar-te de Ti e em Ti.

 Quando não resta mais nada, o que fazes com esse Nada? Manténs-te à tona... e dás-te conta de que te queres bem... que desejas o melhor para ti. Que buscas algum tipo de “quero ser feliz”, seja lá o que isso signifique na tua mente abstracta.

Na verdade, buscas o Amor, encontrar o amor que levas dentro... mas enquanto continuares iludido, achas que é lá fora no outro, nas coisas, conquistas, feitos que vais encontrar.

Mas no vazio... tens o vislumbre... de te jogar a mão... de a qualquer custo quereres sair daí e encontrar algo que te console, aqueça, compense. O que fazes com esse vislumbre?

Pode ser o ponto de partida... de viragem, para voltares à vida.

Não tenhas medo de morrer. É preciso morrer primeiro. Nas ideias, formas, formatos, definições, edições que tinhas até então. Só depois de te libertares disso tudo.... incluindo as resistências, expetativas, desejos é que poderás voltar a Nascer... e começar uma nova vida.

E de tempos em tempos voltarás novamente a morrer. É preciso. Que te desfaças da ideia que tens de ti. Que te possas destruir e desapegar.

Que te possas perder, para te encontrar. E que alegria, poderes estar sempre a conhecer-te e a ser a surpresa e o presente mais esperado.


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