Em carne viva

 



Vivia à flor da pele. As emoções a sua bússola e fio condutor. Deixava-se silenciosamente guiar pelo sentir.

Na intimidade consigo mesma quanto a sua carne lhe mostrava estar viva. O sangue a escorrer nas veias, o pulsar ora acelerado ora mais lento... tudo lhe era vivido na pele.

Não havia nenhuma sensação que não lhe perfurasse a pele e entranhasse até aos ossos. Tudo a tocava, e sentia muito. Tudo.

Continuava a aprender a ser a sua própria casa, a caminhar com ela dentro. A conter e a expressar o sentir, como quem respira...que ambos os movimentos sāo necessários. Levar dentro para que toque e percorra todos os cantos e vértices e nessa travessia possa depois ser expulsa e solta com a expiração.

E à medida que caminhava, mais adentrava as profundidades do seu bosque encantado, ia limpando as ervas daninhas, e as brumas iam desfazendo-se para que pudesse desfrutar da claridade e beleza do seu bosque. 

E abrir o peito é olhar para o que dói e permitir que doa, sem querer arrancar, nem apegar. Olhar é reconhecer que dói e ser o balsámo para a ferida que dói. Ser amparo de si com empatia e resiliência por si mesmo. E nesse espaço de abertura receber o que vem... o que é tocado abre e é destapado e mais informação chega, como um novelo que  começa a desenlear o fio para tecer uma nova peça.  

E essa nova peça és tu, exposta a um novo ambiente, a deixar ir o enleado, a soltar as amarras e a criar o Novo.

E se a dor revela uma ferida essa transporta-te para outra mais profunda e se te permites olhar, permites que se possa curar. É a dor a apanhar ar-dor para ser trans-forma-dor em Ama-dor do Amor.

E a carne viva desperta os arquivos das memórias, e as tuas células ativam todo o teus sistema... que dispara sem que lhe tenhas dado consentimento. E agradeces profundamente o recordo, por mais que te incomode e agite... pois percebes que algo está pronto para morrer. É só permitir que suceda e que as últimas resistências possam quebrar-se.

O remoinho movimenta-se e gira cada vez mais rápido, vai agitando e purificando as águas... e aí a partir do centro observa, sente-se, rende-se sabendo que faz parte do remoinho, mas que o mesmo não a define, está no meio, no centro. O som, o vento está lá, mas nada mais a incomoda.  

Leva a sua casa dentro.

E percebe que o corpo que veste está vivo... Precisa de si, que a vida a atravesse, a penetre e fecunde de experiências, emoções, para que o fluxo das memórias se vá reciclando e compondo sempre novas sinfonias, músicas, poesias e danças.


Caminhante, há apenas caminho! Permite-te...

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