Desilude-te.




Desilude-te. 

É interessante como o olhar vai mudando... e quando a desilusão me bate à porta, há uma parte de mim que se alegra. Talvez sejam apenas os meus olhos.

Abrir os olhos e poder espreitar mais fundo dentro de mim, sentir-me tocada. Quais as partes incomodadas?

Não há pressa... e tentar ficar dentro e deixar-me estar... aí para que o caminho se vá revelando.

Talvez sejam os meus olhos.

Lavados, purificados vão absorvendo mais clareza e alcançando mais ângulos. 

E se por momentos ela queria atenção, conversa, ser vista, apreciada e cortejada... quando isso se tornava real era a primeira a fugir. Não lhe apetecia estar aí a responder, a devolver a atenção, sentia-se pressionada, sufocada.

Deslarguem!

E no equilíbrio do Dar e do Receber... era tão fugaz! Apaixonava-se com a mesma velocidade que se desapaixonava... e com a mesma intensidade. Tudo e nada.

E se por algum instante sentisse que a estavam querer amarrar... tornava-se tão escorregadia como um peixe e feroz como uma leoa. E como um cavalo selvagem queria correr livre e sentir-se leal à sua tribo.

 E tantos anos alimentara o ideal da estabilidade, do companheirismo para a vida, o lar, a terra, a casa. E a ilusão começava a desmoronar... a casa começava a ser o planeta, o lar cada encontro e o companheirismo as sementes que ia deixando de si, o desnudar que se ia dando, as verdades que ia mostrando a si, a coragem de se revelar e de encontrar cada vez mais sintonia em cada esquina. E os limites iam-se alargando.

As ilusões que criara acerca da sua pessoa começavam a cair, e agora quem era essa estranha que morava com ela?

Para onde ia ela, o que queria ela? O que fazer com ela?

Via-se a ter comportamentos cortantes, diretos, desapaixonados, mas em simultâneo tão amorosos para com ela. E as expetativas e as ideias que tinha sobre si mesma começavam a morrer.

E de repente não tinha de ser melhor ou pior. Nada a provar ou comprovar. E se esperavam que correspondesse a algum tipo de imagem... deixava de ser problema seu. Que caíssem as ilusões. As dos outros e as dela. 

Estava a aprender a ser humana e para isso as propostas, os desafios, as experiências. A desfrutar de todas as sensações, provocações despoletadas. Olha que giro isto dá-me zanga, nojo. Isto dá-me vontade de te bater. Irrita-me que me irrites. Que me provoques. E nessa provocação podia-se expressar, e dar-se conta das necessidades a serem atendidas.

Chamo-te a atenção para que me vejas. E que partes minhas não quero olhar, ver, reconhecer, valorar? 

E através do espelho esfumado, caem os véus da ilusão que impediam de contactar com as feridas expostas.

Quem toma conta de ti? Que idade tens quando me pedes que te olhe?

Que aplausos pedes e não consegues tu aplaudir-te?

Desilude-te de que virá alguém de fora cuidar da tua ferida por ti.

E assim começas a comunicar-te de forma mais transparente e amorosa.



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