Nono dia


 

O espelho do outro desnuda-me. E quantas vezes o olhar ao espelho aceitando o que ele mostra parece tão difícil. É a gordura a mais, a ruga, o sinal, a borbulha...

O que vês quando te olhas ao espelho? Aprecias a tua vestimenta e consegues ver-te para além dela?

E quando se apresentam os espelhos dos outros? Andam os teus espelhos quebrados ou brilhantes e reluzentes?

Podia começar a contar-te uma história e começar por: "Era uma vez... uma menina que sempre que olhava ao espelho não conseguia ver o seu reflexo e à medida que foi crescendo, foi permitindo olhar-se e a sua figura ia ganhando formas à medida que se aproximava do espelho. E tantas vezes esse espelho estava esfumado e lhe apresentava ilusões acerca de si... e tantos véus iam caindo.

Diz que é dia 9, e faz de conta que é setembro, e o outono prepara-se para entrar e começar a desnudar as primeiras árvores. E diz que é a casa de sagitário. Vamos lá ascender à nossa mente pequena, ligar-nos ao Pai, à verdade essencial, a do coração, à linguagem dos sonhos, da intuição.

Contudo, as tentações eram tantas e queria agarrar-se ao fácil, ao comum, ao vigente. O que seria ela agarrada a uma verdade só sua, que ninguém mais entenderia? Como iria sobreviver sem a validação dos demais, sem que se sentisse compreendida, amada e pertença. Teria que calçar os sapatos dos outros e sentir-se confortável, nos sapatos que não lhe pertenciam e procurar o conforto de os fazer seus.

Por uns tempos isso pudera ter-lhe servido. Mas chegara o mundo de caminhar descalça, sob os seus próprios pés. De se olhar e reunir as partes, reconciliar o fragmentado. E o espelho tornava-se cada vez mais nítido.

As ilusões revelavam-se para que mais uma véu pudesse cair, e assim a dança contínua de striptease continuava eternamente, até que a carne a quisesse despir e deixá-la ir para outro plano. E ia desfrutando e saboreando de cada nudez que a mostrava.

Cada parte nua sua era uma permissão, um passo mais para amar mais a totalidade que era e da qual fazia parte, e consentir a impermanência como a melhor coisa que lhe podia acontecer.


Comentários