Não te leves demasiado a sério

 


Hoje acordara a rir. E ria de boca fechada, Por tudo e por nada. E dava por si cantarolando, dançando. E o olhar de gozo que denunciava o riso contido.

Desde cedo que se lembra de lhe chamarem de doida, louca, estridente. E claro nos tempos áureos da adolescência a rebeldia ficava-lhe bem. Dava-lhe destaque. E tinha ambas as faces, a extroversão e a timidez.

Com o tempo e com os comentários recebidos foi tentando conter-se, comportar-se. O protocolo social dita que se deve comer de boca fechada, com talheres, e rir baixinho. E ela fazia exatamente o oposto. E desengonçava-se. Trapalhona, era perita em deixar cair coisas, em fazer o contrário do que lhe era pedido. E já não era por rebeldia, mas por dislexia.  Numa coreografia a malta move-se para a direita e lá vai ela sozinha para a esquerda... ou então resolve interpretar e criar um novo movimento. E em vez de se facilitar não, complica e lá faz uma manobra estranha que nem ela entende como a faz.

Assim se move ela em sentido contrário da corrente sem querer... a sua natureza é mais forte. E se por um tempo tentava domar-se e comportar-se, foi também libertando-se dele e ganhando a confiança para se expressar e a achar-se piada, do seu jeito. 

Os outros lá fora que apontavam o dedo... eram apenas os juízes e ditadores que moravam dentro dela. E à medida que acomodava dentro, o fora silenciava-se. 

E ia percebendo que a sua espontaneidade era contagiante. Por onde passava gerava movimento, risadas, inspiração e leveza.

Ela não levava qualquer intenção. Apenas o estilo próprio, a sua autenticidade. E nela cabia tudo, as inseguranças escancaradas, as emoções abertas, as conversas diretas, o sem jeito, os silêncios, as verborreias, as danças, as gargalhadas, as dúvidas, e uma criança muito viva.

E às vezes não gosta das caretas que faz, do mau aspeto do seu rosto, da barriga que resolve estar mais saliente, da gesticulação exagerada, das repetições e palavras, dos ãs que lhe saem e das muletas verbais e de tantas outras coisas que resolvem sair em momentos específicos só para a irritar. E quando está nesse estado dá-se folga por uns momentos, distrai-se, ri-se, goza consigo mesma. É só um acesso de "importância" que está a ter... e só precisa permitir que ele passe por ela, para depois voltar à sua naturalidade.

Não te leves demasiado a sério. Não és assim tão importante. Nem para ti. Se estás sempre em mudança e evolução de que serve agarrar ao que já foi ou ao que ainda está para vir?

Nada se pode definir... e a personalidade gosta tanto de ter um lugar, um estatuto, uma posição. E se puderes ser tudo e dignificares todos os ângulos, perspetivas e percepções tudo passa a ser equânime. 

Tudo passa. O bom e o mal. E tudo faz parte. Queremos ser inocentes, mas também somos culpados. E dentro de um anjo mora um diabo. E a Vida está dentro da morte e tudo está dentro de tudo.

E fomos ensinados a pôr-nos dentro de caixas, a rotular, a catalogar... e agora precisamos aprender a desformatar, a desidentificar.

Sem que isso nos faça perder a ORDEM. Sabendo que também dentro dela vive o caos. E neste grande campo invisível composto por sistemas e hierarquias há uma ordem implícita que mantém a orquestra a funcionar. E o que sustém é o Vazio.

E como é ficar na não forma? Dares-te conta que existem formas e não te identificares com nenhuma e a pouco e pouco criares espaço de vazio....


 


Comentários